Ivete C. Perez*; Renata H. Ataulo**; Viviana C. M. Faria***
Sinopse: Este artigo mostra a atuação do aparelho de Soulet-Besombes utilizado no tratamento de disfunções orofaciais com uma abordagem antroposófica.
Unitermos: Ortopedia Funcional dos Maxilares – Respiração Bucal – Maloclusão.
Abstract: This paper describes a Soulet-Besombes Appliance treatment of orofacial disorders in an Anthroposophical way.
Uniterms: Maxillary Functional Orthopedics – Oral Breathing – Malocclusion.
A odontologia moderna inclui diagnóstico, prevenção e tratamento de desordens dos dentes, da boca e das relações maxilofaciais e articulação têmporo-mandibular.
O sistema estomatognático ocupa a maior porção da cabeça e realiza uma variedade de funções como fala, mastigação, deglutição, paladar, salivação, digestão e respiração, contribui para expressão, para estética, postura e sentido global de bem estar pessoal. A ortopedia funcional dos maxilares atua através de meios técnicos, incluindo aparelhos, capazes de promover o estímulo, a liberação do desenvolvimento e a reeducação deste sistema.
Em 1953, os professores R. Soulet e A. Besombes apresentaram uma nova alternativa de tratamento ortopédico funcional, o ativador goteira (figura 1), confeccionado com borracha flexível, chamado S.B. (Soulet-Besombes). Utilizavam a borracha por ser um material que não oferece perigo de machucar ou quebrar, e pelo de fato possuir propriedades necessárias para as poli-micro-estimulações, que fazem parte da terapêutica biológica. |
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Fig.1. Aparelho de Soulet-Besombes
em posição na boca
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A terapêutica funcional com os S.B.s é definida pelo professor Besombes através de três palavras: LIBERAR - EXECUTAR – GUIAR.
A proposta deste trabalho é mostrar a atuação deste aparelho em casos por nós tratados, pois é uma terapêutica que está em concordância com nossa visão e abordagem do paciente.
Dentre todas as relações do ser humano com o meio ambiente, a respiração é uma das mais importantes. Com ela temos o primeiro contato com o mundo externo (nascimento) e também é ela a última com a qual temos relação quando deixamos o mundo físico (morte). A respiração implica num ritmo: inspirar e expirar. Rudolf Steiner cita que, ao inspirarmos, comprimimos continuamente o líquido encefálico para dentro do cérebro; ao expirarmos fazemos com que volte para o corpo. Desse modo o ritmo respiratório é como que implantado no cérebro (ação da respiração sobre o sistema neuro-sensorial).
Há também uma conexão entre a respiração e o sistema metabólico, pois é na circulação que se dá o encontro daquilo que provém do processo digestivo com o que provém do processo respiratório.
A criança ainda não amadureceu suficientemente a respiração de maneira a sustentar o processo neuro-sensorial. Aí se situa a mais sutil característica de como devemos agir com a criança.
A recepção dos estímulos adequados para o desenvolvimento do sistema estomatognático tem lugar nas funções neuro-vegetativas, onde se inclui a respiração. Tanto a recepção do estímulo como a resposta do desenvolvimento constituem, em parte, um fenômeno do tipo neural, e estas funções, quando perturbadas, tem como conseqüência as dismorfoses bucais.
A "BOCA É PARTE INTEGRANTE E INTEGRADA DO CORPO", porém o excesso de especialização e técnicas na área de saúde, atualmente, tendem a fragmentar o estudo do ser humano. Essa visão traz prejuízos para a compreensão da totalidade.
Partindo-se desse ponto de vista considera-se a respiração não só como uma simples troca gasosa, mas também como um processo de vida imprescindível ao ser humano. A respiração pode apresentar-se com alterações funcionais tanto do tipo apical (modificando sua magnitude) como também do tipo bucal (modificando seu trajeto). Nos dias de hoje a respiração predominantemente bucal é bastante freqüente. A respiração pela boca não é o caminho natural; é como que um atalho para a sobrevivência, implicando numa série de adaptações do organismo, que alteram visivelmente sua postura, levando a conseqüências físico-psico-afetivas. A postura corporal e o modo de respirar são interdependentes. Para a postura ereta fisiológica do ser humano há necessidade do paralelismo dos planos bipupilar, ótico e oclusal com o solo, caso contrário haverá compensações nos vários segmentos músculo-esquelético-articulares.
No respirador predominantemente bucal, essas compensações são visíveis. Podemos observar: posição anteriorizada da cabeça, perdendo a relação malar-esternal, retificação da coluna cervical, rotação dos ombros para anterior, desenvolvimento de lordose lombar; na face (nosso campo de ação) percebemos: hipotonicidade da musculatura facial, ausência de vedamento labial, com conseqüente alteração do padrão deglutivo e da direção de crescimento das arcadas dentárias (plano oclusal).
O uso do aparelho tem por objetivo reequilibrar as funções neuro-vegetativas, provocando uma reação em cadeia nas funções decorrentes (postura corporal, modo de andar, comportamento, etc).
Ao estimular a recuperação da respiração nasal, ocorre um reposicionamento adequado da língua contra o palato, favorecendo a normalização da deglutição, mesmo na ausência inicial de vedamento labial, pois esta é compensada pelo formato do aparelho.
O aparelho não é utilizado constantemente durante todo o dia. Usa-se-o para dormir (ação inconsciente) e em períodos diurnos para exercícios mastigatórios e deglutivos (ação consciente).
O aparelho age diferentemente na vigília e no sono.
A ação durante o sono é inconsciente e atua regularizando as funções neuro-vegetativas coordenando o ritmo respiratório e a deglutição; reequilibra a tonicidade muscular, seja hipertônica ou hipotônica, eliminando toda a interposição da musculatura bucinadora e labial; a língua consegue apoiar-se sobre o aparelho sem se espalhar entre as arcadas dentárias; harmoniza os movimentos eruptivos; corrige as infra-oclusões (ação segundo as leis Planas); corrige os espaços e estruturas reequilibrando as relações maxilo-mandibulares; estimula a correção de assimetrias pela remodelação das arcadas; funciona como elemento protetor das ATMs (Articulações Têmporo-Mandibulares) nos casos de apertamento e bruxismo e tem uma ação indireta corretiva na região cervical em decorrência da harmonização muscular.
A ação durante a vigília é consciente, pois são realizados exercícios mastigatórios durante 20 minutos, 3 vezes ao dia, fortalecendo a vontade, além de todas as ações citadas anteriormente.
No paciente adulto, durante a prática dos exercícios, há a necessidade de concentração, vontade, observação de si, que são condições que solicitam auto-consciência.
Nos casos onde o paciente é criança, com idade até 10-11 anos, é fundamental a presença consciente – participativa – de um dos pais durante a realização dos exercícios. Essa participação garantirá a implantação do ritmo, da disciplina e da constância na realização dos exercícios, pois não é com ensino intelectual que se atua na criança para o desenvolvimento da vontade, e sim com a repetição das ações, sem admoestações, para atingir uma vontade consciente que deveria estar fortalecida num adulto. Rudolf Steiner refere que o homem moderno evitando repetições busca ter experiências únicas. Antigamente, os homens rezavam todo o dia o mesmo Pai Nosso, e liam seu livro de contos uma vez por semana. Esta ação repetitiva os tornava, no que concerne à vontade, mais vigorosos que os homens atuais, que são frutos da educação "moderna".
Os pacientes adolescentes conseguem executar os exercícios sem a presença dos pais. Nesse caso, a abordagem é diferente, pois a relação paciente-terapeuta deverá evocar uma autoridade amorosa. O adolescente sentir-se-á estimulado a fazer os exercícios por admiração ao terapeuta. Nesta fase, o apelo para o desenvolvimento da vontade acontece de forma diferente do que na infância, sendo mais importante o elemento afetivo.
Durante a evolução do tratamento os pacientes podem referir algumas dificuldades como:
Embora seja uma técnica
aparentemente simples, as maiores dificuldades, no tratamento, estão
na condução do paciente, fato que exige muito mais do que um simples
controle de técnica ortodôntica.
CASOS CLÍNICOS
Diagnóstico: respiradora bucal, lábio superior curto, diastemas na região anterior, sobremordida profunda.
Tratamento: ortodontia fixa superior e inferior para nivelamento e correção dos diastemas; remoção de aparelho fixo e colocação do aparelho da técnica preconizada por Soulet-Besombes (S.B.) do tipo Conformador No 5.
Evolução: figuras 2 e 3, início e final do tratamento.
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Fig. 2. M.A., início do tratamento
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Fig. 3. M.A., final do tratamento
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Diagnóstico: respirador bucal, lábio inferior evertido.
Tratamento: Placas Planas Indiretas Simples, Ativador Elástico de Klammt; nesta fase o paciente começou a apresentar-se desmotivado. Iniciou-se, então, o tratamento com o S. B. do tipo Retromorfose No 6, com a ressalva do paciente, de que não iria fazer os exercícios diários. Apenas o usaria para dormir.
Na figura 5 observa-se o engrenamento dentário em neutroclusão, a modificação da curva de erupção dos caninos e aumento na velocidade de erupção, em um período de 4 meses.
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Fig. 4. F.B.L., início do tratamento com
SB
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Fig. 5. F.B.L., 4 meses após colocação
do aparelho
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Diagnóstico: sobremordida profunda na dentição decídua, falta de desenvolvimento vertical, padrão braquifacial.
Tratamento: instalação de S.B. do tipo Expansor No 2, na primeira semana apresentou uma estomatite alérgica, muita sede noturna, ferida na região mento-labial; tratamento sintomático com Água Dentifrícia Weleda. Suspensão do tratamento até a remissão dos sintomas. Reiniciou o uso sem recidivas dos problemas alérgicos. Após 4 meses apresenta-se com um levantamento da mordida e diastemas na região incisiva inferior.
Diagnóstico: respirador bucal, lábio superior curto, disto-relação mandibular, vestibularização dos incisivos inferiores; apinhamento superior e inferior; posição lingual baixa e adiantada; posição do hióide elevada, segundo a análise de Rocabado.
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Fig. 6. S.S., início do tratamento com SB
vista frontal
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Fig. 7. S.S., início do tratamento com SB
vista lateral
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Tratamento: instalação de S.B.
expansor No 3.
Evolução: (figuras 8 e 9) após 8 meses de tratamento houve uma melhora na respiração; desapinhamento dos dentes, correção das inclinações dos incisivos, e aumento na dimensão vertical com correção da curva de erupção dos caninos.
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Fig. 8. S.S., vista frontal após 8 meses
de tratamento com SB
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Fig. 9. S.S., vista lateral após 8 meses
de tratamento com SB
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BIBLIOGRAFIA
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10 – STEINER, R. Antropologia Meditativa. Título original "Meditativ Erarbeitete Menschenkunde". Trad. Rudolf Lanz. São Paulo: Ed. Antroposófica, 1997.
* Cirurgiã Dentista. R. Frei Caneca 33 cj. 22, 01307-001 São Paulo, SP. Tel: 3258-1392.
** Cirurgiã Dentista. R. São Benedito 421, 04735-000 São Paulo, SP. Tel: 5523-0085.
*** Cirurgiã Dentista. Av. Imarés 624, 04085-001 São Paulo, SP. Tel: 5542-8449.