A Quirofonética, criada pelo fonoaudiólogo Dr. Alfred Baur1
em meados de 1970 na Áustria, é uma terapia baseada na Medicina
Antroposófica. Os conhecimentos dessa medicina sobre os órgãos
e seus arquétipos são traduzidos em sons, versos ou ritmos e aplicados
em forma de toques nos braços, costas ou pernas do paciente, enquanto
o terapeuta entoa esses sons. Assim como na atuação da Massagem
Rítmica, a aplicação da Quirofonética nos braços
acentua as forças anabólicas, enquanto a aplicação
nas pernas enfatiza as forças catabólicas.
Algumas das qualidades terapêuticas da Quirofonética são:
- trabalhar com o universo sonoro, onde a visão permanece em repouso;
- propiciar o desligamento do elemento conteúdo daquilo que é
falado, enfatizando a parte rítmica, sonora e lúdica da linguagem;
- utilizar toques em partes do corpo – costas, braços e pernas – que
permitem uma experiência positiva com o tato, o ser tocado, o som, a
audição e o bem-estar relacionado ao sentido vital2,
favorecendo essa mesma sensação em relação ao
próprio corpo;
- trazer a conscientização dessas partes do corpo por meio do
toque, do som, do sentido vital e do tato;
- neste caso relatado, trazer a impressão sonora, aplicada no corpo,
paralelamente aos exercícios correspondentes de movimentos, desenhos
e pinturas do método ‘Extra Lesson’3, que foram trabalhados
espacialmente.
Dentro de um grupo de oito crianças que iniciaram o projeto de atendimento
a portadores de Distúrbio de Déficit de Atenção,
com ou sem Hiperatividade (TDAH) no Ambulatório Didático-Social
da Associação Brasileira de Medicina Antroposófica em
2005, percebeu-se que duas delas poderiam se beneficiar da aplicação
da Quirofonética, pelas qualidades da relação positiva
com o próprio corpo e da consciência dos limites corporais. Segue
um breve relato de um destes atendimentos e o outro faz parte do artigo "Trabalho
com Caso Clínico", de Carmen Lygia Nobre Lemos, publicado na Revista
Navegantes, Ano 4, No. 5 (abril de 2008), pp. 45-50.
L. H. C. M. - 9 anos e 7 meses, sexo masculino, alto, magro,
cabelo castanho escuro, tez pálida, aparência desvitalizada, como
um ‘cachorrinho sem dono’. Muitas dificuldades familiares, pais separados, abandonado
pela mãe que ficou com o irmão mais velho, pai casado novamente
com um bebê dessa nova relação, madrasta com um filho de
casamento anterior. Mora próximo aos avós paternos que assumem
grande parte de seus cuidados. Relato de dificuldade de aprendizagem com muita
desatenção, hiperatividade e agressividade. Apresenta dificuldades
espaciais, movimentos espelhados4, dificuldade para nomear partes
do corpo em relação ao lado direito ou esquerdo, trocas de letras
na escrita. Apresenta respiração oral, com o nariz entupido ou
escorrendo a maior parte das vezes. A família recebeu acompanhamento
psicológico durante todo o processo terapêutico.
1° programa – março:
- Objetivo – favorecer a percepção do corpo como um
todo, abrindo espaços para aprofundar a respiração, focalizando
a nuca como a região que liga a cabeça ao corpo. Aplicado nas
costas.
- Resultados – após 3 semanas de trabalho consegue fazer alguns
movimentos de coordenação corporal do método ‘Extra Lesson’
como lição de casa; relata estar mais calmo, ainda sem medicação.
2° programa – final de abril, maio e parte de junho:
- Faltou por 4 semanas; foi iniciado novo programa.
- Objetivo – ainda acentuar a nuca, tornar consciente a percepção
dos limites de todo o corpo, forma espelhada para definição
da lateralidade e dos cruzamentos, ritmo troqueu5 nos
braços como convite a colocar-se no mundo assumindo seu próprio
destino. Aplicado nas costas e nos braços.
- Resultados – retorna com certa apatia; suspeita de maus-tratos dos
cuidadores. Depois de 4 semanas de trabalho é visível que sua
postura se tornou mais ereta, o pescoço mais equilibrado e centralizado.
Melhora no movimento ocular e na coordenação viso-motora. Nariz
seco e boca fechada. Mais atento, recebeu A na avaliação
escolar de matemática e está muito feliz. Ainda sem medicação.
3° programa – setembro e outubro:
- Férias em julho, dificuldade para retornar aos atendimentos, pois
o pai sentiu-se pressionado pela psicóloga, a madrasta retirou-se do
processo; soubemos que a mãe do menino, residente no exterior, veio
visitá-lo de surpresa. A criança apresenta-se ao retorno com
sintomas depressivos. Foi realizada uma reunião com a presença
dos avós paternos, o pai, a médica, a psicóloga da família
e eu (terapeuta de ‘Extra Lesson’ e Quirofonética). São estabelecidos
alguns limites, alguns acordos de mudanças de atitudes são firmados.
O pai relata que não deu a medicação, tem dúvidas
se irá dá-la. Inicia-se o atendimento psicológico com
o menino; a médica psiquiatra do grupo julga não ser necessária
a introdução de medicação alopática.
- Objetivo – manter o foco na nuca; acentuar o espaço da respiração;
manter o mundo interior preservado e separado do que aconteça externamente.
A massagem com Quirofonética é realizada nas pernas na posição
de ‘lava-pés’, acentuando a postura de respeito e veneração
da terapeuta pelo destino do paciente, utilizando as forças do cobre
no tornozelo, para aprofundar a respiração; e de forma espelhada
nas canelas, acentuando a objetividade no pensar. Aplicado nas costas e pernas.
- Resultados – Mantém a melhora de comportamento e em relação
à aprendizagem na escola, relatados pela professora à psicóloga;
diminui a presença de agressividade; melhora nas relações
sociais. Mantêm os ganhos em relação à postura,
o nariz seco e a boca fechada. Seu olhar está mais presente e atento.
Sente-se mais confiante em relação aos desafios.
- Conclusão – ao final do trabalho, pelo fato de a família
não ter dado a medicação ao menino, as qualidades terapêuticas
da quirofonética, e das outras terapias trabalhadas com ele e a família,
podem receber o crédito pelas mudanças apresentadas.
Notas e referências
1 BAUR, A., O Sentido
da Palavra: no princípio era o verbo – fundamentos da quirofonética,
2a.ed. São Paulo: Ed. Antroposófica, 2004.
2 N.R.: O "sentido vital" é um dos 12
sentidos caracterizados por Rudofl Steiner; ele é um sentido que permite
a percepção do bem estar.
3 MC ALLEN A., Método Extra Lesson –
Recursos Especiais em Pedagogia Waldorf São Paulo: Ed. Antroposófica,
2005.
3 N.A.: Quando de frente para a terapeuta, levanta
seu braço esquerdo, mesmo nomeando-o "direito", enquanto
a terapeuta levanta o próprio braço direito.
4 N.A.: Aplicação de um verso que
possui o ritmo longo-curto.