A Meditação - por Michael Mösch
Rudolf Steiner apresenta com a sua Antroposofia, a Ciência Espiritual, uma abordagem moderna para a meditação. Descrevendo e caracterizando esse conceito de variados pontos de vista ele se expressa em determinada situação como sendo forma de imersão do pensar ou imersão na atividade de elaboração de pensamentos. Trata-se de pensamentos formados na ausência de percepções sensoriais e de recordações que afloram da memória. É o pensar pelo qual se constrói imagens e cujo processo é considerado como objeto observado, o pensar que ao surgir se contempla: denominou-o de pensar puro. Ao descrever o referido processo meditativo ou a imersão na atividade pensativa (Rudolf Steiner, GA 17) destaca a necessidade de rigor e determinação da elaboração de uma imagem em forma de pensamento. Mesmo assim nada precisa ser empreendido além dos meios que a vida proporciona ao ser humano quando pensa no dia a dia. Existe, porém, um desafio com a exclusão da percepção sensorial e da recordação, quando na meditação a concentração é destinada ao pensamento, estar contido exclusivamente no pensamento e na força que o sustenta. Isso proporciona à alma um sentimento vivaz da situação desse acontecimento, fortalecendo-a. Vigor da alma se dá por meio do viver no pensamento por determinado espaço de tempo e vivenciar a força empreendida na atividade pensante. A eficácia da meditação está vinculada à repetição dos exercícios. Trata-se da tentativa de preencher a alma toda com a força e o conteúdo inerente à imagem pensada. A intensidade potencializada, antes dispersa, mas de forma latente e presente na alma engrandece-a, fortalecendo-se a ponto de se transformar em órgão cognitivo anímico para o âmbito espiritual. Desse processo brota a disposição anímica que leva ao sentimento de se sentir tocado pela essencialidade espiritual, pelos seres inerentes ao mundo espiritual.
Quando e como Rudolf Steiner descobre essa forma para a meditação? Ainda criança, ele percebe o vínculo do pensar com a percepção que emana da atividade dos órgãos sensoriais concomitantemente com imagens que afloram da alma como recordações da memória. Ele reconhece que perguntas podem ser respondidas, que problemas podem ser solucionados em consideração às percepções, mas que o conhecimento sobre as coisas percebidas, o conhecimento sobre fenômenos perceptíveis sempre levam e sempre conduzem ao limite do conhecimento. Isso se dá por conta da natureza limitada dos órgãos sensoriais humanos. É esclarecedor a maneira como Rudolf Steiner descobre na infância que existe, atrelado ao sensorial humano, um limite para a cognição. Por meio da visão, do tato, da audição e demais órgãos de percepção sensorial ele dominava a elaboração de conhecimento. Perguntas incitavam novas observações de fatos, esses, agregados à elaboração de pensamentos, nas associações e combinações de conceitos, esclareciam e determinavam o que percebia. Porém conscientizou-se que o homem percebe superfícies, texturas, cores, formas e configurações; ele percebe e conhece somente o que é manifesto. Tudo que é oculto e se revela por meio da expressão nas formas do sensorial perceptivo, por exemplo, não é aparente a ponto de ser percebido. Configura-se assim o limite imposto pelo sensorial humano para a cognição em geral, o limite do conhecimento. Aos 9 anos de idade Rudolf Steiner se confrontou com perguntas para as quais não encontrava soluções na realidade visível e perceptível, reconhecendo esta tal limitação. Perguntou-se: como esse limite pode ser vencido?
Dentre alguns exemplos em sua autobiografia (GA 28), Rudolf Steiner destaca uma vivência que acontecera próximo à residência de seus pais em uma fábrica de fiação para a tecelagem. Por uma porta, ele descreve, entrava a matéria prima bruta, possivelmente lã e algodão, e por outra porta a mercadoria manufaturada na forma de novelos para a indústria de tecelagem era desembarcada. Jamais foi revelado ao menino como de fato era o procedimento no interior da fábrica. Dessa impossibilidade de poder conhecer sem perceber emana na alma do menino Rudolf Steiner perguntas sem respostas e questionamentos que na carência de fatos manifestos aos sentidos não conduzem à cognição. Algo que não se manifesta aos sentidos sensoriais limita a aquisição de conhecimento. Foi desta forma que obteve a primeira experiência do limite do conhecimento. Ao mesmo tempo na escola conhece a geometria e descobre a possibilidade de elaboração de pensamentos isentos da percepção sensorial e da recordação. Deparou-se com formas de pensamentos em imagens geradas e atreladas a leis que independem do contexto material físico onde o homem está inserido com o seu ser sensorial. A geometria apresentou-se a Rudolf Steiner tal qual ciência que aparentemente é elaborada pelo homem, mas apresenta e revela significados independentes destes que geram o conhecimento da mesma. A congruência de triângulos, a possível intersecção de retas paralelas e o teorema de Pitágoras inerente ao retângulo proporcionaram vida na alma de Rudolf Steiner. Essa experiência orientou e conduziu seu trabalho futuro em consideração ao percurso de cognição no suprassensível. Ele percebeu que com o pensar é possível adentrar um âmbito diferente do sensorial por meio do qual conhecimento pode ser apreendido espiritualmente. Como existe um espaço físico no mundo material das substâncias é possível vivenciar-se em um espaço anímico que é palco de acontecimentos e situações pertencentes à essencialidade suprassensível, ao espiritual. É importante, na medida em que se opta pela prática meditativa, a consciência plena da existência de duas vertentes no que diz respeito à origem do processo de elaboração de pensamentos: imagens desencadeadas do sensorial físico e o pensamento decorrente de sua própria natureza e isento do conteúdo agregado na alma que se originou do sensitivo e da recordação.
A próxima pergunta em relação à meditação refere-se ao próprio pensar: Quais as características e qualidades do pensar? A alma do homem determina-se no aflorar e fluir de sentimentos, anseios, impressões e realizações de decisões (Rudolf Steiner, GA 17). O pensar inerente à alma humana é um ponto de repouso dessa vida anímica agitada, colorida e repleta de atividade, ao clarear e iluminar elementos nela contidos que remetem à compreensão de fatos e coisas. Por naturalidade a alma confia na serenidade do pensar, sentindo-se segura e sustentando-se. O pensar satisfaz os anseios que determinam a alma, sua necessidade de querer conhecer. A relação da própria alma com o seu pensar é nítida: clarear e iluminar a vida anímica que confere a ela confiança própria, segurança e satisfação. O pensar se apresenta como força que sustenta. É também inerente à atividade do pensar a força capaz de elaborar e construir imagens em forma de pensamentos; o pensar tal qual força empreendida na elaboração de representações mentais no processo cognitivo da alma. Existe, portanto, uma relação contundente entre a alma humana e o pensar que ela elabora. Não somente a força que o pensar representa no anímico o caracteriza, mas uma relativa independência em relação à turbulenta, agitada e complexa vida anímica. A propriedade do pensar de conferir clareza à consciência abre condições que remetem a atividade pensativa à essencialidade que independem da própria alma. O pensar ao erguer-se com a força no âmbito que lhe pertence, sustenta essencialidade, sustenta um mundo independente de sua própria existência e da alma que o gera.
Entregar-se à vida do pensar puro é benfazejo e desencadeia um sentimento de bem-aventurança, um sentimento de conforto. Em consideração ao pensar a alma pode viver em dois mundos, o próprio mundo de seus sentimentos, desejos, anseios e necessidades onde vive sua própria existência, e outro mundo, que não lhe pertence, desprendendo-se de si própria para poder viver no âmbito geral do mundo, na essencialidade universal (Rudolf Steiner, GA 17). Viver verdadeiramente no pensar configura o desprender da alma de sua própria existência e de seus sentimentos. Por meio do pensar a alma abarca em si essencialidade universal, vive, por assim dizer, no fluir dos acontecimentos que sustentam o mundo, o cosmo. Deixar fluir em si, por meio do pensar, o que gera e sustenta o mundo é condição para a alma poder vivenciar o mundo de essencialidade que não lhe pertence, fortalecendo-a. O gerar e o criar de mundo, realizam-se na alma quando o pensar se eleva em seu próprio contexto, se unido, na vivência à essencialidade universal. A alma, por meio do pensar é palco do fluir dos acontecimentos e realizações cósmicos. Ao imergir no pensar realiza-se na alma o gerar de mundo, o plasmar do universo em que o homem vive. O mundo se pensa na alma do homem (Rudolf Steiner, GA 17). O homem determina-se pelos objetivos do próprio pensar, sente seu próprio ser quando pensa unido ao fluir dos acontecimentos cósmicos do mundo. Vivenciar essa força intrínseca do pensar fortalece a alma. Na meditação, não se trata em reconhecer unicamente o conteúdo pensado mas vivenciar o sentimento benfazejo que o pensamento aflora da alma. O ato meditativo configura-se, decorrente da atividade pensativa, quando a alma se preenche de forma vivaz com os sentimentos que brotam desta ação.

Potencializam-se na meditação forças latentes da alma. Essa força revigorada oferece as condições para o desenvolvimento de órgãos anímicos para a vivência no âmbito do suprassensível. No exercício e aprimoramento da meditação a alma consegue vivenciar o que ela gera por força própria remetendo-a ao conhecimento do oculto. A experiência adquirida é ao mesmo tempo cognição sobre a essencialidade espiritual.
No desenrolar do exercitar meditativo destacam-se ocorrências relevantes: o primeiro passo consiste no trabalho objetivo da elaboração e estruturação clara e consistente de determinado pensamento em imagens representadas com os meios que a vida proporciona. Na seqüência destaca-se a imersão do próprio ser na imagem do pensamento que elaborou. Entregar-se ao pensamento pausadamente de modo repetido, unir-se por completo ao pensamento construído, o querer viver no âmbito do pensamento elaborado potencializa a força da alma que se apresenta com disposição para reconhecer a forma como é tocada pela essencialidade suprassensível, um sentimento benfazejo e salutar.
Não o conteúdo é o principal, mas a maneira como o pensamento é elaborado e sustentado. A meditação é uma atividade da alma que quer ser independente em relação ao seu estado habitual; a meditação é salutar quando desprendida totalmente do dia a dia da vida natural anímica. Meditar independe de escolaridade, independe da situação de vida. É apropriado começar os exercícios dentro das condições possíveis do indivíduo, sem compromisso que impõe o trabalho meditativo. Poder começar pequeno e sentir incapacidade, vivenciar as próprias fraquezas configura o início seguro e verdadeiro. A meditação vincula o homem à vida prática. Nesse percurso, a meditação pode proporcionar que cognição seja o reencontrar da vivência suprassensível na percepção sensorial do mundo físico.
Texto: Michael Mösch