Meditação: Como? Quando? O que?
H. Zimmermann
(Membro da diretoria da Sociedade Antroposófica Geral no Goetheanum, Dornach, Suíça)
Transcrição de duas palestras proferidas no Espaço Cultural da Sociedade Antroposófica em São Paulo,
feita por Valdemar W. Setzer a partir da fala original e da tradução consecutiva de Sonia Setzer; observações do transcritor grafadas com [...]
Primeira palestra, em 30/7/2005
A palavra "meditação" está bastante "gasta": neste recinto deve haver tantas interpretações para ela quantos são os presentes. Alguns acham que meditar é tão difícil quanto escalar o Aconcágua; outros acham que meditar é ter uma música de fundo e estarem deitados em uma cama muito confortável. Há vários níveis entre esses dois extremos. Para certas pessoas, meditar exige condições especiais, como um determinado cheiro no ambiente, ou então pegar-se um pozinho e bebê-lo com água, dizendo para si: "Agora sinto-me mais leve." Para outros, é preciso ter um mestre, que estabeleceria a hora em que o discípulo deve levantar-se, que cadeira deve ser usada, quer roupas devem ser vestidas, etc. É possível colocar pessoas em estado hipnótico, e também induzirem-se pessoas a terem imagens maravilhosas de vidas pregressas. Tudo isso cabe na palavra "meditação".
Hoje e amanhã vamos tratar do que Rudolf Steiner falou sobre esse tema em palestras e em escritos. Para ele, a meditação é apenas um meio, entre outros, que pode ajudar em um processo de autodesenvolvimento. Ele diz que é até perigoso colocá-la no centro da vida.
A primeira frase do livro de Steiner Como se Adquirem Conhecimentos dos Mundos Superiores [São Paulo: Editora Antroposófica, com o título O Conhecimento dos Mundos Superiores] diz que em cada ser humano existem faculdades adormecidas por meio das quais ele pode adquirir conhecimento dos mundos superiores. Isso não depende da origem da pessoa e da sua formação.
Existem formas de meditação que partem do estado normal de vigília, passando para um estado de penumbra, produzindo vivências como de sonho. Esse é, por exemplo, o caso da hipnose. É tambémL o método que se praticava na antigüidade, como por exemplo no antigo Egito. O discípulo do templo tinha que passar por determinadas provas, que eram um caminho de purificação. Depois delas vinha o momento da iniciação. Ela consistia em que um sábio, o hierofante, colocava o neófito em um estado letárgico. Nesse estado, que era como um sono profundo, a constituição superior do neófito entrava em contato com os mundos superiores durante 3 dias. Uma vez desperto, o neófito podia contar todas as vivências que ele tinha tido. Esse procedimento era perfeitamente válido naquela época. O neófito ficava totalmente dependente do hierofante. Aqui está a grande diferença para o caminho de Rudolf Steiner. Ele exige que o discípulo espiritual faça cada passo de seu caminho por uma ação puramente interior, e não exterior. Além disso, o seu método implica em partir da máxima consciência possível, aumentando-a, ao contrário de um estado de sonho – trata-se de se ter consciência clara durante o sono. Pode-se notar que muitos caminhos de meditação de hoje remetem a pessoa ao estado do egípcio, em que a consciência era diminuída; nesse caso não se conta com a liberdade humana.
O que faz com que uma pessoa queira seguir um caminho meditativo? Qualquer um de nós tem um sentimento de que o que somos na vida cotidiana não é tudo; algo vive dentro de nós acima dessa vida. Pode-se dizer que existe, em cada um, um desejo de se elevar a algo superior.
Rudolf Steiner dá uma condição fundamental para o caminho, que está no livro Como se Adquirem Conhecimentos dos Mundos Superiores: é o sentimento de veneração, pois só se pode desenvolver o conhecimento dos mundos superiores se se considera que há algo superior por detrás das aparências.
Magia Branca – pressupõe que há algo superior dentro de cada um. Magia Negra – usar as forças superiores com fins egoístas, em benefício próprio. Na meditação, se não forem tomados cuidados, os aspectos de egoísmo adquirem um poder muito maior do que sem essa prática.
Essa foi uma introdução bem geral. Vamos detalhar os passos. Hoje, e principalmente amanhã, vamos dar indicações práticas.
Em primeiro lugar, é necessário preparar-se. Cumpre dizer que o caminho meditativo tem uma infinidade de passos; cada um deve partir de onde se encontra. Eu estive nesta semana em Botucatu, na Estância Demétria. Lá o ar era limpo, e podia-se ver muito bem as estrelas e a Via Láctea; Vênus estava enorme. Pode-se dizer com essa experiência: "Que maravilha, tenho um sentimento de veneração." Um outro exemplo é admirar-se la geometria de uma flor. Ou olhar-se nos olhos de uma criança, que expressam uma total confiança. O caminho pode começar procurando-se uma vivência desse tipo em cada dia, observando-se qualquer coisa que nos eleve acima do cotidiano.
O segundo passo é mais difícil. É uma frase que também pertence ao Como se Adquirem Conhecimentos dos Mundos Superiores: "Reserva-te momentos de calma interior e aprende a distinguir o essencial do acessório."
Não é fácil cumprir a determinação de se reservar esses momentos de calma interior. Pode-se esquecer de fazê-lo ou, durante esses momentos, tocar o telefone, lembrar-se de que se devia falar com alguma pessoa, etc. A cada passo que se tenta dar, vem o diabo e diz: "Não!". Por exemplo, pode-se sentir uma coceira aqui ou acolá, lembrar-se de que se esqueceu de desligar o fogão, e assim por diante. Isso é uma lei e tem que ser assim. Para alguns, o melhor é deixar o dia terminar e fazer o exercício à noite. Para outros, isso leva a um adormecer; para esses o melhor é de manhã. O mais importante é decidir que nesses momentos não se deve ser incomodado – é um momento de conversa consigo próprio.
Conheço muitas pessoas para as quais a meditação não deu resultado por falta dessas preparações: elas querem ir para a 4a série sem passar pelas 1a e 2a séries.
A vida deve mudar. Na vida normal estamos sempre reagindo ao que vem de fora; estamos sempre um pouco atrasados. Ou, então, vive-se no passado, "o que ele disse...", ou no futuro, "preciso fazer isso ou aquilo", e não se vive o presente. Um exemplo é estar-se na fila do supermercado e se pensar impacientemente: "Quando chegará a minha vez?" Muitas vezes lamenta-se que se está na fila errada, que não anda; a coisa fica realmente excitante quando, de repente, abre uma nova caixa.
Refletindo-se sobre essa situação, no fundo tudo isso é tempo perdido. O que está acontecendo atrapalha o que deve ocorrer.
No entanto, uma outra atitude é dizer: "Neste momento tenho algum tempo, vou decorar uma poesia, observar as outras pessoas, planejar a tarde, etc." De repente o tempo passa rápido, e até lamenta-se que a vez já chegou.
Há um tempo ocupado e um não-ocupado. No caminho meditativo, trata-se de se ocupar todo o tempo, sempre fazer-se algo útil. Por exemplo, fechar de vez em quando os olhos durante o dia. Em volta tudo passa-se aos borbotões; leva tempo para eliminar toda essa influência. Trata-se de, uma vez por dia, criar esse espaço interior e estar consigo mesmo. Isso pode começar com um minuto de respiração lenta e, quando se chegar a essa calma interior, preencher o espaço assim criado.
No início, pode-se falar uma oração; nesse nível, oração e meditação são a mesma coisa. Na oração, dirijo meu coração para o divino. No caso da meditação, o ponto de partida é a consciência e como lido conscientemente com as coisas. Steiner recomenda pelo menos 5 minutos para esse tempo de calma interior. Eu acho que hoje deve ser mais do que 5 minutos; contando o preparo, pelo menos 15 minutos.
Rudolf Steiner dá três âmbitos onde se pode iniciar o caminho de exercícios. Mas a criação do espaço interior de 15 minutos, mesmo sem o conteúdo meditativo, já enriquece a vida. No caminho antroposófico, o próprio caminho é a meta. Quando se consegue criar esse espaço interior diariamente, já houve um progresso. Hoje há uma fraqueza de vontade. Não se devem dar passos muito largos, deve-se achar a medida correta, nem demais, nem de menos.
Quando se percebe que nem esses 15 minutos são conseguidos, devem-se diminuí-los. Por exemplo, conseguindo-se isso sistematicamente de manhã antes do café da manhã, pode-se querer prometer-se uma vez mais durante o dia, depois duas vezes. Se a intenção inicial é fazer isso durante o próximo mês e depois de três dias pára-se, isso é paralisante.
Há três âmbitos de exercícios que não podem ser incluídos nesses 15 minutos, mas devem fazer parte do cotidiano.
1. Um exercício é observar, no âmbito da vida, por um lado os processos de crescimento, floração, desenvolvimento e, de outro, os processos de fenecer, de desaparecimento. Por exemplo, observar numa só planta folhas novas e tenras e outras que estão amarelando e murchando. Num bosque, folhas se decompondo no chão, outras novas nas plantas. Não se trata apenas de observar esses fenômenos, mas de prestar atenção aos sentimentos que surgem nessa observação.
Pode acontecer que, ao se observar algo brotando, o primeiro sentimento é que simplesmente não há sentimento. Isso se deve ao fato de se ter uma tal quantidade de percepções sensoriais que se esquecem os sentimentos. Ainda se é um bebê nesta vida. Por isso deve-se olhar todos os dias para essa planta florescendo, até que se tenha algum sentimento.
Se só se registra o que se vê, permanece-se apenas na cabeça; são processos instantâneos. O sentimento precisa de tempo; nele ocorre um retardo do tempo. Na vida meditativa é necessário desacelerar, passar de segundos para minutos. Na velocidade atual das pessoas, vive-se nos segundos. Andando-se de carro em São Paulo não se pode ir com calma – correr-se-ia perigo de vida.
Deve-se, portanto, criar durante o dia um espaço interior em que o tempo seja lento. Assim penetra-se no âmbito supra-sensível. O que vemos na planta fisicamente é a ação das forças plasmadoras, supra-sensíveis, que fazem a planta crescer e fenecer. Acompanhando-se esse processo penetra-se no âmbito supra-sensível. Para quem conhece a Antroposofia, esse é um exercício preparatório para o conhecimento imaginativo.
2. Exercitar a audição de sons da natureza. Nesse exercício tenta-se dar atenção às fontes acústicas, da mesma forma que se observou a planta. Por exemplo, os ruídos da chuva caindo, de um riacho, de galhos batendo. Tudo isso revela qualidades que, num primeiro passo, devem ser vivenciadas. Num passo seguinte, deve-se atentar para o som animal, como o cacarejar de um galo, o mugir de uma vaca, o balir de uma cabra. Cada um desses sons tem qualidades muito diversas, vinculadas com a essência do ser. Não se espera de uma vaca gorda ruminando no pasto que ela faça hi hi hi! O muuu é muito mais redondo. Aqui se trata também de descobrir o supra-sensível no sensível.
Esses dois exercícios mostram um ponto essencial do caminho do conhecimento antroposófico: sempre se vincular ao mundo sensório, mas se reconhecendo a manifestação do supra-sensível. Esse caminho é o do cultivo dos sentidos para se chegar ao espírito.
Há caminhos iniciáticos que desprezam o mundo sensorial. Esse não é de modo algum o caminho antroposófico.
3. Cultivo da audição e da fala. Em geral, quando alguém ouve outra pessoa falar e entende o conteúdo, fica satisfeito. Muitas vezes, enquanto o outro está falando já se está procurando a resposta.
Neste exercício, trata-se de se imergir no ouvir, deixando de lado o entendimento do conteúdo. Assim que algo como uma crítica aflora, deve-se deixá-la de lado. Com isso penetra-se cada vez mais na esfera do que se relaciona com o outro, pois na voz de cada pessoa vive algo de individual, da essência do mesmo. Quando se faz um cultivo interno dessa capacidade de ouvir o outro, de repente tem-se um raio instantâneo da essência dessa outra pessoa.
Ao julgar-se, está-se dentro de si próprio. Escutando o outro, não está-se em si próprio, mas no outro, na periferia de si. Está-se um pouco fora de si; conscientemente, mediante a própria vontade, adormece-se dentro do outro. O caminho do conhecimento do supra-sensível é adormecer conscientemente. Ao adormecer normalmente esquece-se tudo: de manhã não há lembrança das vivências tidas durante o sono. O caminho do autodesenvolvimento consiste em adormecer-se conscientemente, soltar-se do próprio corpo conservando a consciência. A prática meditativa consiste em conscientemente escarnar-se da própria corporalidade.
Passemos aos conteúdos da meditação. Há dois grupos desses conteúdos:
1. Meditações em imagens, concentrando-se em objetos ou símbolos. Abrange os conteúdos relacionados com imagens produzidas por representação mental.
2. Meditações no decorrer do tempo, usando-se versos, frases, pensamentos. Todas as formas que decorrem na sucessão do tempo.
Amanhã veremos mais detalhes. Hoje vamos nos concentrar no primeiro tipo, usando a "meditação da semente", dada por Rudolf Steiner, no livro Como se Adquirem Conhecimentos dos Mundos Superiores.
Primeiro passo: "Observemos uma pequena semente de uma planta." É importante tratar-se de semente de uma planta conhecida. "Convém, diante dessa coisa insignificante, intensificar os pensamentos corretos e, através desses pensamentos, desenvolver certos sentimentos." Importante: partir de algo sensório e, depois, desenvolver pensamentos e sentimentos. "Em primeiro lugar conscientizemos o que se vê realmente. Descrevamos a nós mesmos forma, cor, todos os demais atributos da semente." Portanto, o primeiro passo é a observação.
Segundo passo. "Depois, reflitamos sobre o seguinte: dessa semente nascerá uma planta multiforme se for plantada na terra." Agora vejo algo novo – é um pensamento de que no futuro, a partir da semente, poderá surgir uma nova planta. "Conscientizemos essa planta, estruturando-a a seguir na fantasia. ‘O que agora represento em minha fantasia as forças da terra e da luz mais tarde farão realmente sair da semente.’"
Terceiro passo. Atividade de formar imagem interior. É necessário ativar a capacidade de formar imagens, e representar algo que vai ser e que ainda não existe.
Quarto passo. Ter sentimentos ligados ao que se está imaginando.
Quinto passo. Concentração mental.
Agora já se pode notar que habilidades são necessárias para a meditação e que já foram exercitadas nos exercícios precedentes:
1. Capacidade de observar detalhadamente. Exemplo: Qual o aspecto de uma semente conhecida? Pode-se imaginar claramente uma noz?
2. Concentrar-se numa seqüência de pensamentos e ainda acompanhá-los de sentimentos. Percebe-se que, aquilo que foi executado com sentimentos ao observar plantas desenvolvendo-se e fenecendo, vai voltar.
3. Atividade de criar imagens interiores, como o desenvolvimento da planta.
4. A capacidade de se concentrar, de não permitir que advenham outros pensamentos.
Pode-se notar como muitas capacidades devem ser desenvolvidas:
1. Como exercitar a capacidade de observação.
2. Como desenvolver a fantasia baseada no pensar.
3. Como desenvolver os sentimentos.
4. Como desenvolver a capacidade de criar imagens interiores.
5. Como aumentar a capacidade de concentração.
Todo isso é essencial para a meditação. Amanhã veremos exemplos mais concretos.
Segunda palestra, em 31/07/2005
Pode-se considerar que o desenvolvimento da humanidade desde antigamente consiste em um despertar. Nos tempos antigos, cada pessoa era essencialmente um membro de uma comunidade. Cada vez mais as pessoas tornaram-se mais autônomas.
Ontem vimos que a meditação é um caminho para um despertar. Nesse desenvolvimento individual repete-se o que acontece na evolução da humanidade, um despertar para o superior. Em tempos antigos a consciência era mais onírica e, por isso, as pessoas necessitavam de líderes que lhes davam os impulsos. Hoje cada um pode encontrar dentro de si algo de divino, que é a fonte de uma autotransformação.
Ontem descrevemos um caminho em que se nota um despertar gradativo no sentido de se encontrar no mundo sensorial as forças suprasensíveis que estão por trás dele. No estado de vigília, entramos em uma seqüência de três passos: 1. Observar o crescer e o fenecer, acompanhando de sentimentos; 2. Audição, em que se observa o que cada ser expressa do seu interior; 3. Ouvir outra pessoa, tentando perceber o que se manifesta nela de espiritual por meio da voz.
Existem basicamente vários passos que levam à meditação; em cada um pode-se exercitar o que se manifesta no sensório, mas que é a manifestação de algo espiritual.
Primeiro passo: construir uma cabana interior, um espaço onde se está protegido para se poder perceber o que vem de cima. Isso significa encontrar uma fronteira entre o sensível e o supra-sensível, onde é possível encontrar-se a si próprio. Isso está expresso na frase de que devemos encontrar em cada dia momentos onde se possa diferenciar o que é essencial do não-essencial. Nesses espaços deve-se deixar a vida cotidiana do lado de fora, permitindo encontrar a própria consciência interior para realizar melhor as tarefas.
Segundo passo, se se deseja continuar o caminho: unir-se a um conteúdo mental que é dado pelo mundo espiritual.
Em primeiro lugar é necessário estruturar a meditação em vários níveis: 1) observação; 2) pensamento; 3) formação de imagens interiores; 4) sentimentos; 5) concentração.
A meditação consiste em tomar-se o resultado desse preparo e ligar-se com ele com toda a concentração possível e deixar o resto de fora. É como a entrada em um recinto sagrado. Para entrar numa igreja ou capela, há um preparo, não se costumando simplesmente entrar da rua – pensa-se que lá dentro ocorre algo de divino. Se se trata de assistir um culto, coloca-se roupa adequada, prepara-se o estado de espírito. Depois abre-se a alma para que ela possa receber o que vem de cima. Na meditação também é necessário preparar-se e, em seguida, estrutura-se essa meditação e depois imerge-se nesse conteúdo. É importante unir a cabeça ao coração. Nessa situação a pessoa deve encontrar-se numa calma, em um movimento de receber com serenidade. No final é importante fazer um encerramento, e como que passar por uma porta e aí entregar-se ao dia-a-dia. Não se deve vincular o ambiente e o conteúdo da meditação com o dia-a-dia. Somente os frutos da meditação devem fluir para o cotidiano.
Há dois tipos fundamentais de meditação: na forma de imagens, envolvendo objetos ou símbolos. Do outro lado, meditação sobre a linguagem: frases ou pensamentos. Trata-se de dois tipos fundamentais de meditação. Uma é a que envolve imagens, relacionando-se o que está lado a lado. Já a meditação em verso relaciona-se com o que é seqüencial. Vamos discorrer sobre alguns exercícios e até executá-los, com a finalidade de incrementar aquelas 5 capacidades.
Existem muitos exercícios de concentração, mas não é isso que faremos, e sim exercícios que ativam o pensar, para que ele se torne mais produtivo.
1. Vamos partir de um símbolo. Uma meditação dada por Rudolf Steiner (mas já conhecida anteriormente) concentra-se na forma de duas espirais entrelaçadas [desenha no quadro-negro duas espirais começando perto uma da outra, uma terminando em cima e a outra em baixo].
É importante começar com a observação. Essa figura tem dois elementos. Como eles relacionam-se entre si? Eles são parecidos, mas têm uma polaridade. Pode-se considerar que a de cima adentra e a de baixo desenrola-se para fora: uma concentração e uma expansão. Observa-se que as duas são redondas. Pode-se agora imaginar que há um ponto central na convergência das duas. Uma vem de cima, termina e desaparece; a outra ressurge da primeira e volta-se para baixo. Esse é o primeiro nível, o da observação.
Observando-se mais atentamente, vê-se que é impossível olhar para essa figura sem fazer um movimento interior. Experimente-se olhar rigidamente para ela sem fazer um movimento; continuamente se é levado a ele. De fato, os símbolos meditativos são tais que a pessoa insere-se nas correntes cósmicas.
Tenta-se agora descobrir quais pensamentos brotam a partir dessa figura. Por exemplo, os pensamentos de infinito e de desenvolvimento. Percebe-se que existe um ponto virtual, onde não há nada, de onde partem novos impulsos. Há situações onde se passa algo que não tem nada a ver com os sentidos, como o sono e a pausa na música. O que se passa na pausa na música ecoa do passado e leva para o futuro. Existem pianistas que sentam-se ao piano e começam imediatamente a tocar; outros sentam-se e vem uma pausa. A primeira nota fica diferente se há uma pausa anterior. Também entre a inspiração e a expiração do ar há um ponto de transição. Pode-se dizer que o ser humano é um ser respirador. O mesmo se dá com o adormecer e o acordar e com o nascimento e a morte. Há outras polaridades como essas; na transição há um espaço supra-sensorial que devemos buscar. Tudo o que se elabora tendo por base essa forma deve levar a uma abstração, tentando-se buscar um sentimento de base, e com ele retornar para a forma.
O importante é que a partir da forma foi estimulado um pensar produtivo, que não está na própria forma.
Esse é um exercício de meditação sobre um símbolo que Steiner deu a um discípulo com a seguinte indicação: uma involução que desaparece e que reaparece. Algo que desaparece e depois começa de uma forma nova. É como uma planta que desaparece no solo no inverno da Europa, para ressurgir novamente na primavera, a partir da Terra.
Pode-se olhar para essa figura com as espirais e reconhecer a evolução; a evolução do ser humano e da Terra não são lineares; algo desaparece e ressurge.
2. Vejamos um outro exercício para concentração; fazendo-se-o por poucos dias percebe-se que a capacidade de concentração melhora. Trata-se de imaginar dois triângulos eqüiláteros iguais com um lado horizontal comum. [É interessante não se fazer um desenho das figuras nos vários estágios descritos a seguir, para que a imaginação das mesmas venha somente de uma criação interior.] Pode-se agora imaginar que o triângulo inferior fica fixo e que o superior desce mantendo o eixo meridiano. Quais os diferentes estados? Inicialmente aparece na interseção um hexágono achatado; continuando o movimento, esse hexágono vai aumentando, até ficar regular (todos os lados iguais), quando se está com uma estrela de 6 pontas, a estrela de David. Continuando, o hexágono interior fica cada vez mais esticado, até que base do triângulo superior encoste no vértice inferior do outro triângulo, obtendo-se um losango regular no lugar do hexágono. Continuando ainda o movimento, o losango, sempre regular, vai diminuindo e se chega à situação inversa à inicial, em que os triângulos tocam-se em um vértice. Em seguida imagine-se o triângulo inferior movendo-se para cima, etc. Esse exercício requer uma concentração enorme; perdendo-se o fio, deve-se recomeçá-lo novamente. Um aperfeiçoamento é imaginar o triângulo superior amarelo e o inferior azul; a interseção deve ser imaginada em verde. Rudolf Steiner diz que, ao se imaginarem cores, deixa-se para trás o pensamento ligado ao sensório.
Com esse exercício treina-se a capacidade de formar imagens interiores.
3. Ainda outro exercício é imaginar-se um círculo vermelho, e em volta dele um anel verde. Há pessoas que têm dificuldade de imaginar cores. Se esse for o caso, é interessante imaginar inicialmente tudo vermelho: grama, vestimenta, árvore. Em seguida, imaginar tudo verde. Em seguida tenta-se rapidamente condensar esse verde numa circunferência. Isso é uma ajuda para os que têm dificuldade de imaginar cores.
O problema começa agora. A área circular geralmente não fica parada; às vezes foge, ou se movimenta. Pode-se perceber que é necessário um esforço muito grande para manter a imagem do círculo rodeado pelo anel.
O exercício consiste em alternarem-se as cores ritmicamente: círculo verde, anel vermelho, voltar ao original, etc. Pode-se perceber que isso é muito difícil; quando se consegue alternar 7 vezes já é muito bom. Deve-se ser muito rápido, pois às vezes a imagem surge e desaparece. Isso exercita o despertar no mundo da movimentação.
4. Pode-se fazer um outro exercício que conduz a um pensar diferente do comum. Em geral pensa-se sempre em uma certa coisa ou em outra, de maneira excludente – sem esse tipo de pensamento não se pode usar um computador. Para contrapor-se a esse tipo de pensamento, pode-se imaginar uma circunferência, fazendo seu raio crescer. À medida que a circunferência cresce, a curvatura diminui até ela transformar-se numa reta infinita. Isso acontece quando se está no meio do mar, e em toda a volta tem-se uma linha. É o ponto limítrofe entre o finito e o infinito. Pode-se em seguida fazer o contrário: imaginar a circunferência cada vez menor, até reduzir-se-a a um ponto. Um ponto ideal é infinitamente pequeno, não pode ser desenhado. É algo que não existe, mas a partir do qual tudo pode surgir. O limite interior das duas espirais vistas, o que elas têm em comum, é um ponto. Uma circunferência não é uma reta, e uma reta não é um ponto, nem uma circunferência é um ponto. Mas o ponto transforma-se em circunferência e esta transforma-se em reta. De um aparece o outro. Pode-se dizer que a circunferência vive entre o ponto e uma reta infinita. Dessa forma os conceitos não se excluem mutuamente, mas transformam-se um no outro. [Note-se que, no exercício anterior, o ponto de encontro dos vértices dos dois triângulos é o limite pontual dos losangos de interseção dos triângulos; os losangos são o limite dos hexágonos, quando os lados superior e inferior se reduzem a um ponto; o lado comum inicial dos triângulos é o limite dos hexágonos.]
Podem-se fazer esses exercícios na fila do caixa do supermercado...
Com eles fortalece-se o pensar para a meditação.
Um outro aspecto: qual a qualidade da meditação que tem mais caráter de imagem e a com mais caráter de palavra?
Na meditação por imagens, o objetivo é formar uma unidade: as rosas e as cruzes. [Referência à meditação "rosa-cruz"; ver o livro de Steiner A Ciência Oculta, capítulo "O conhecimento dos mundos superiores, São Paulo: Ed. Antroposófica.] Observando-se uma obra de arte foca-se sucessivamente em detalhes, mas se deve buscar a unidade. Quando se observa uma obra de arte, tudo leva ao movimento. Pode-se dizer que, basicamente, na meditação em imagens deve-se colocar o que está lado a lado para movimentar para a unidade.
Na meditação com versos é o contrário – há uma seqüência de acontecimentos no tempo. No entanto, também se deve procurar uma unidade. Quando se faz a meditação de um verso, a primeira linha ainda é valida na 2a, 3a, etc. Em outras palavras, devo transformar uma seqüência temporal levando a uma unidade, um todo.
Para isso, um exercício maravilhoso é, conhecendo-se bem um verso, ao dizer a primeira palavra, desenrolar-se todo o resto. Pode-se agora experimentar dizer interiormente o verso começando pela última linha e indo até a primeira. Dominando-se essa forma, pode-se falar interiormente palavra por palavra de trás para frente, e até sílaba a sílaba (excelentes exercícios para a fila do supermercado!). Quem conseguir ir contra a seqüência normal de um verso, jamais o esquece.
Os exercícios de imaginar ou falar interiormente algo de trás para frente são muito bons, pois quando passamos para o mundo supra-sensível, por exemplo, ao adormecer, tudo se passará de trás para frente. Por isso Rudolf Steiner recomenda a retrospectiva da noite para a manhã do dia que está terminando [ver A Ciência Oculta, no capítulo citado acima]. Assim entra-se no fluxo do depois de adormecer.
Esses foram apenas exemplos de como preparar-se para a meditação. Passemos agora à questão de como enfrentar os perigos que podem advir com ela.
Existe uma frase no Como se Adquirem Conhecimentos dos Mundos Superiores: "Se se pretende dar um passo no desenvolvimento espiritual, é preciso dar três passos no desenvolvimento moral".
Os perigos são cair-se num egoísmo refinado e na ilusão. Quando se chega mais a fundo na Antroposofia, vê-se que não se aprende sobre boa alimentação, o bom vestuário de seda e de lã; o risco que se corre é a pessoa entrar em um clima naturalista exagerado, levando a rejeições. Pode-se ainda despertar na manhã e não continuar a ser um ser social, pois quando dormimos somos sociais. Por isso é decisivo o adormecer consciente, passar-se do egóico para a periferia. Isso tem a ver com uma das metas da meditação, que é separar o âmbito anímico-espiritual do corpo físico. Esse é um processo de escarnação. A grande pergunta é o que acontece com os próprios costumes quando o dono da casa vai passear. Sempre que um espírito deixa um local, sobra um espaço que pode ser ocupado por um espírito inferior. Daí o grande risco de pessoas que procuram a soltura do anímico-espiritual: se não fizerem um desenvolvimento moral elas tornam-se pessoas piores do que eram antes. Por isso é necessário cuidar para fazer exercícios que tornem a alma sadia, isto é, desenvolver um pensar sadio, um sentir sadio e um querer sadio. É como trancar a casa e torná-la sadia.
Rudolf Steiner dá 3 exercícios aparentemente muito fáceis; ele diz que constituem na realidade um dever:
1. Controle do pensar – concentrar em um pensamento sobre algo bem objetivo, que corresponda à realidade. Bem simples: 5 minutos por dia concentrar-se num objeto, por exemplo, numa tesoura – qual o seu aspecto, seus elementos, o que pode ser feito com ela.
2. Exercício da vontade – planejar alguma ação e realmente executá-la. A vida atual é calçada de coisas que deveriam ser feitas e que não o são. Vivemos em um período em que quase não se exercita a vontade. Pode-se planejar, à noite, algo para o dia seguinte: por exemplo, antes de pôr a chave na fechadura da porta, bater nela 3 vezes. É importante que não haja nessa atividade nenhuma necessidade envolvida. Chega um dia em que se aproxima da à porta e vem a imagem de se estar batendo nela – isso dá um sentimento imenso de alegria: "Faço o que decidi." Tem-se com isso um sentimento de soberania sobre si próprio, de liberdade.
3. Equanimidade de sentimentos. Pelas confrontações muitas vezes reage-se sem que se queira. Por exemplo, uma professora que se irrita com um aluno. Depois fica desgostosa por se ter aborrecido. Não se trata de não ter sentimentos, mas de dominá-los e não se deixar dominar por eles.
No livro de Daniel Goleman Inteligência Emocional há uma história de um samurai que encontra um zen-budista e pergunta a este: "Diga-me qual a diferença entre céu e inferno". O budista diz: "Não tenho tempo para responder". O samurai saca a espada e o zen-budista diz: "Isso é o inferno". O samurai reconhece o mal que iria fazer e repõe a espada na bainha. Diz então o budista: "Este é o céu". Não ser dominado pelos sentimentos significa enobrecer o sentir.
Há ainda 2 exercícios mais relacionados com a sociedade:
4. Positividade. Normalmente vemos o que é errado. Não é necessário ter treino para criticarmos uma outra pessoa. O exercício consiste em procurar ver algo que pode evoluir, não o que não existe. Por exemplo, olhar uma rosa e não se fixar nos feios espinhos e sim na beleza da rosa. Pode-se exercitar o descobrir o lado positivo de tudo. Isso significa um enriquecimento social incrível. Não é possível ser médico ou professor sem positividade. O médico precisa acreditar nas forças de cura; o professor deve crer nas forças para o futuro.
Esse exercício é de importância muito grande para o convívio social.
5. Abertura. Abrir-se a tudo o que o que é novo. Na Alemanha, nos últimos anos, comparou-se o indivíduo a uma empresa. Isso é horrível, mas tem algo de realidade: carregamos preconceitos. Ao ver algo, sabemos imediatamente do que se trata; sabemos o que o outro vai dizer antes de ele abrir a boca. Carregamos uma série de experiências do passado, na forma de conceitos e preconceitos. Temos que fazer toda uma transformação para deixar de lado tudo o que já somos e possuímos. As qualidades a serem exercidas são abertura e falta de preconceito.
6. O último exercício consiste em exercitar conjuntamente os 5 anteriores.
O todo desses 6 exercícios corresponde ao desenvolvimento do chacra, ou "flor de lótus", do coração. Isso tem a ver com o que foi mencionado na primeira palestra – ir cada vez mais da cabeça para o coração. Não pode ser de outra forma – o resultado deve ser o incremento humano. Esses exercícios não devem ser feitos para se melhorar pessoalmente, para dizer a um outro: "você é inferior". Eles devem ser feitos para se poder atuar melhor, para com eles tornar-se mais humano. [Ver esses 6 exercícios colaterais no livro A Ciência Oculta, capítulo citado.]
Esses 6 exercícios colaterais devem ser feitos durante toda a vida. É interessante formar grupos para discutir as experiências de cada pessoa com eles, por exemplo de mês em mês. Isso é muito favorável, pois sabe-se que dentro de um mês haverá uma nova reunião e isso dá um impulso para fazer os exercícios até lá. Assim forma-se uma comunidade em torno dos exercícios.
Participei de vários desses grupos em Dornach; certas pessoas ficam contentes pois dizem que durante 6 meses elas conseguiam trabalhar, e depois necessitavam de novo impulso.
Ver também:
- A meditação antroposófica e exercícios colaterais, de V.W. Setzer;
- Os exercícios colaterais para a meditação, dois textos de R.Steiner.