PEDAGOGIA WALDORF:
Criatividade e teoria cognitiva referendadas pela visão acadêmica

Rosely Aparecida Romanelli
(Publicado na revista Anthropos, jornal da Associação Pedagógica Itacolomy de Florianópolis, ano 2, nº 19, jun/2000).

Escrever sobre uma pesquisa acadêmica logo depois de concluí-la é um pouco difícil, pois o esforço intelectual de elaboração de uma dissertação de mestrado exige uma espécie de distanciamento que nem sempre somos capazes de fazer imediatamente após ter defendido a mesma, para escrever sobre ela.

Entretanto, quando fui convidada pela Anthropos para escrever este artigo passei vários dias tentando pensar o que seria mais importante dizer para um público que já está familiarizado com o assunto. Creio que finalmente encontrei alguma coisa para ser dita que pode ser nova para as pessoas que já conhecem a Pedagogia Waldorf e que, muitas delas, já têm inclusive seus filhos nas escolas existentes no Brasil.

A motivação para desenvolver uma pesquisa de mestrado cujo tema fosse essa pedagogia, surgiu para mim quando descobri que outras linhas pedagógicas tinham preocupações semelhantes e algumas soluções parecidas. Outro fato importante foi acreditar que a Pedagogia Waldorf fazia parte de um movimento muito maior em prol da mudança de percepção que o homem de hoje precisa ter para que se mude toda uma visão de mundo, sem a qual a humanidade não poderá alcançar qualidade de vida e desenvolvimento sustentável.

Para conseguir demonstrar isso de maneira aceitável num trabalho acadêmico foi necessário percorrer um caminho longo, através de uma pesquisa que me levou ao caminho que o próprio Steiner trilhou para explicar tudo aquilo que ele chamou de Cosmovisão Antroposófica. Estudando sua autobiografia pude entender qual foi sua motivação básica, e quais as influências que ele sofreu, não só do meio em que ele viveu, como também todo o impulso de busca de uma explicação para o que ele entendia como mundo espiritual.

Em seus anseios de partilhar com seus semelhantes o conhecimento que ele vislumbrava, Steiner encontrou caminhos, pelo estudo da filosofia e dos ensinamentos de Goethe, para formular uma Teoria do Conhecimento que permitiria, segundo ele, o acesso ao conhecimento dos mundos espirituais. A beleza de se entender como isso era claro para Steiner fica em perceber que ele concluiu que seria necessária toda uma vida de aprendizado para que se obtivesse esse conhecimento, pois ele não acabaria nunca. Uma vez iniciado o processo, sempre seria possível evoluir num sentido ascendente, adquirindo sempre mais conhecimento. Mas onde isso se iniciaria e como se continuaria na vida adulta?

Retomando a biografia de Steiner, que foi o ponto de partida de minha pesquisa, descobri que ele, após encontrar em Goethe o eco profundo de sua maneira de vivenciar o mundo, questionou a própria ciência, que na sua época se desenvolvia apenas pela vertente clássica, tendo no mecanicismo e no naturalismo suas maiores formas de expressão. Em Goethe, Steiner descobriu que era possível enxergar o mundo de outra maneira, sem desvitalizá-lo como a ciência da época fazia. E ainda assim seria possível, no seu entendimento, construir um arcabouço científico. Para traduzir para o mundo Goethe como cientista, ele elaborou uma teoria que desvendou a cosmovisão do poeta. E foi paralelamente a esse esforço intelectual que ele se viu capaz de formular sua própria teoria, que surgiu nos livros Verdade e Ciência (este sendo sua própria tese de doutoramento) e Filosofia da Liberdade.

É importante ressaltar aqui que, para justificar Steiner, foi muito importante aprofundar a influência de Goethe em sua cosmovisão, pois o poeta foi um dos maiores representantes do iluminismo alemão. Partindo dessa informação pesquisei todo o universo imaginário do povo alemão nesse período, usando como referência dois autores franceses que desenvolveram extensa pesquisa sobre o assunto. O primeiro deles, Edmond Vermeil, traça uma vertente de influência ascendente até Goethe, que demonstraria todo um conhecimento diferenciado desenvolvido pelo povo alemão, que anunciaria rupturas com o pensamento ocidental. Dentre os acontecimentos dessa época, Vermeil (1944) destacaria a Reforma Luterana e o Tratado sobre as Revoluções dos Mundos Celestes, de Nicolau Copérnico. Para esse autor, a religiosidade e a fé do povo alemão tinham um caráter místico que o diferenciava dos demais povos, possibilitando a elaboração de uma visão de mundo menos materialista, pelo menos até o período iluminista.

O segundo autor que me ajudou a situar o pensamento steineriano foi Gilbert Durand. Segundo ele, Goethe seria um dos nós germânicos da linhagem hermética ocidental. Esse hermetismo seria tributário do paradigma mítico de Hermes Trimegisto, que era fundamentado no princípio da similitude. Esse paradigma diria respeito, conforme afirma Durand (1979), ao conhecimento antigo iniciático ao qual Steiner sempre se referiu em suas obras. Esse conhecimento ancestral é o mesmo que Steiner transformou na Antoposofia.

Mas o que mais nos fascina ao descobrir as justificativas teóricas que se pode buscar no conhecimento acadêmico para a teoria de Steiner é ver como ele conseguiu transformar essa informação em prática para adultos e crianças. Depois de entender qual o caminho cognitivo proposto por Steiner, é importante acompanhar seu raciocínio quando ele transforma esse caminho em prática social para o trabalho e a aprendizagem dos adultos. É também relevante perceber como ele faz a ligação da prática social com a prática pedagógica na escola Waldorf, tendo como base de ambas, tanto na pedagogia como na trimembração social, a fraternidade, a igualdade e a liberdade. Também foi muito importante para mim descobrir que a Escola Waldorf era para Steiner o espaço por excelência onde se deveria iniciar o processo da trimembração social, tanto para as crianças que estariam sendo educadas nela, como pelos adultos – pais e professores – envolvidos nesse trabalho.

Assim, aos interessados em aprofundar-se no assunto, minha pesquisa talvez venha acrescentar a visão de que Steiner pode ser aceito nos meios acadêmicos, especialmente hoje quando o conhecimento percebe que a ciência sozinha não responde todas as questões relativas à vida. E que a Antroposofia já não é mais coisa de maluco visionário que acredita em espiritualidade. Ela é simplesmente uma teoria do conhecimento baseada no desenvolvimento da criatividade para que ela se torne a dinâmica evolutiva básica do ser humano que está em constante desenvolvimento.


Rosely Aparecida Romanelli é pedagoga e Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da USP. É professora contratada do EED-CED/UFSC e mãe Waldorf da Escola Anabá de Florianópolis.