No decorrer de minhas aulas na USP faço questão
de desmistificar alguns conceitos que os alunos aprenderam errado, como
fato quando se trata de teoria, ou como verdade total quando se trata
de verdade parcial. Exemplos desses três são, respectivamente,
o modelo planetário do átomo (devido a Rutherford em 1909),
a evolução neodarwinista e a questão do sangue circular
devido exclusivamente ao efeitos do coração como bomba hidráulica.
Ultimamente tenho desmistificado uma questão de cunho religioso
que foi aprendida errado: a confusão entre as histórias
do nascimento de Jesus como relatadas nos evangelhos de Lucas e de Mateus.
Faço isso apresentando uma sinopse das diferenças entre
os dois relatos; para tanto, compilei essas diferenças, apresentadas
a seguir, ordenadas segundo a sequência de Lucas e que aproveito
para repartir com os leitores.
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Zacarias e Isabel
(João Batista)
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Origem dos pais
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Anunciação
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Visita a
Isabel
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LUCAS
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1:5-25
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Nazaré 1:26, 2:39
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Para Maria 1:26-38
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1:39-45, 56
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MATEUS
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Nada
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Belém 2:1, 23
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Para José 1:18-25
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Nada
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Cântico de Maria
("Magnificat")
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Nascimento de
João Batista
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Cântico de
Zacarias
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Recenseamento
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Nascimento
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LUCAS
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1:46-55
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1:57-66
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1:67-79
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2:1-5
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Estábulo 2:7
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MATEUS
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Nada
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Nada
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Nada
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Nada
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Casa 2:11
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Visitação
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Guia da visita
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Após o nascimento
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Simão e Ana
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Jesus com
doutores
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LUCAS
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Pastores 2:8-20
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Nada
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Ida ao templo 2:22-24
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2:25-38
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2:46-50
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MATEUS
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Magos 2:1-12
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Estrela 2:9
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Fuga para o Egito 2:13-15
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Nada
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Nada
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Diferenças de genealogia
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Extensão da genealogia
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Matança dos
meninos
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Atmosfera
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LUCAS
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José-Eli a Natán-David 3:23-31
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José a Adão 3:23-38
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Nada
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Ingênua
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MATEUS
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David-Salomão a Jacó-José 1:6-16
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Abrão a José 1:2-16
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2:16-17
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Real, sábia
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Depois de distribuir uma folha com esses quadros impressos,
ler alguns dos trechos citados para dar credibilidade aos meus dados,
e ainda mostrar que a partir do cap. 3 de Lucas e de Mateus (a pregação
de João Batista) começam as coincidências, inclusive
com o de Marcos e o de João (menos com este, o mais espiritual
de todos; ambos, significativamente, começam no batismo no Jordão)
peço aos alunos para deixarem de lado qualquer ideia anterior que
tenham em relação a essas histórias, e pergunto:
"Observando objetivamente essas diferenças – notando-se
que em várias colunas encontra-se algo em um evangelho e nada no
outro, e quando isso não acontece há discrepância
total entre os dois –, o que se pode concluir?" Invariavelmente,
a resposta dos alunos é "São duas histórias
diferentes." Aí eu lembro a eles que nos presépios
na época de Natal em geral veem-se figuras dos pastores junto com
as dos magos, e Jesus numa manjedoura, para mostrar exemplos de confusões
dos dois relatos. Concluo essa parte da aula simplesmente afirmando que
é possível compreender essa diferença entre os dois
relatos; até hoje nenhum dos alunos teve a curiosidade e o impulso
de perguntar "E como seria essa compreensão?" Obviamente,
eu convidaria o aluno curioso para uma conversa particular, onde iria
relatar, com cuidado para não usar muitos conceitos antroposóficos,
as extraordinárias e originais revelações de Rudolf
Steiner nos volumes de seus ciclos de palestras O Evangelho Segundo
Lucas (GA 114) e O Evangelho Segundo de Mateus (GA 123), ambos
disponíveis na Editora Antroposófica. O problema aí
é não dar um aspecto sensacionalista ao relato.
Para os que se interessarem em se aprofundar no assunto,
recomendo ainda o estudo de O Quinto Evangelho (GA 148), O Evangelho
Segundo Marcos (GA 139), O Evangelho Segundo João (GA
112, ciclo dado em Kassel), O Apocalipse de João (GA 104),
De Jesus a Cristo (GA 131) e O Cristianismo como Fato Místico
e os Mistérios da Antiguidade (GA 8), todos editados pela Ed.
Antroposófica.
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