Agência Estado, 25/11/10
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São Paulo, 25 (AE) Uma gastrite não tem tratamento fechado quando se trata da medicina antroposófica. Se atendo duas pessoas, uma pode simplesmente ter comido algo que fez mal, mas na outra a doença pode estar relacionada a problemas emocionais. Em uma consulta tradicional elas seriam tratadas da mesma forma, exemplifica o clínico geral antroposófico Nilo Gardim. Para descobrir tantas particularidades sobre a doença de um paciente, o profissional usa um tempo ampliado de consulta: cerca de uma hora e meia, o suficiente para investigar, além de sinais clínicos, vivências emocionais e espirituais.
Foi em busca de um atendimento mais personalizado para os filhos que o advogado André Gabriel Hatoun Filho, de 39 anos, e a professora Beatriz Tamassia Minozzi, de 34 anos, chegaram à medicina antroposófica. O ponto de partida foi a adenoide do caçula Fábio, de 6 anos. Queria algo interativo, que respeitasse mais o ser humano, sem a ideia de uma demanda cultural voltada somente para o mundo econômico, conta Hatoun, que também é pai da menina Naia, de 11 anos.
A linha antroposófica é conhecida no Brasil principalmente por causa da pedagogia Waldorf, seu braço escolar. Agora, também o aspecto médico ganha força no País. Neste ano, a coordenação Nacional de Práticas Integrativas do Ministério da Saúde está cadastrando os pesquisadores brasileiros que atuam com a medicina antroposófica, reconhecida como prática médica desde 1993. Além disso, a Universidade Federal de São Paulo já tem um departamento específico para tratar do assunto: o Núcleo de Medicina Antroposófica (Numa).
Segundo o médico Ricardo Ghelman, um dos coordenadores do Numa, a clínica antroposófica pode ser definida como uma medicina complementar e integrativa de origem humanista. Trabalhamos o conceito de que o ser humano tem o corpo, a psique e a individualidade. Na medicina tradicional, a individualidade fica para trás, explica o especialista. Uma forma integrada que una o humanismo e tecnologia é uma das metas dos profissionais brasileiros. Em países como a Alemanha há grandes hospitais antroposóficos, do tamanho de um Albert Einstein. Esse formato ainda é um sonho no Brasil, mas as pesquisas e o interesse têm aumentado.
Segundo Ghelman, há antroposóficos em quase todas as especialidades médicas: ginecologia, reumatologia, cardiologia, pneumologia, psiquiatria e oncologia são algumas delas. A Associação Brasileira de Medicina Antroposófica (ABMA), por exemplo, já expediu certificados para cerca de 300 médicos.
Acreditamos que as doenças partem da nossa visão de mundo e de como está sendo concebida a organização do universo interno, avalia Elaine Marasca, presidente da ABMA (*). A gente não trata a doença, mas sim o doente. A doença é entendida como um desvio da condição humana que pode estar em desarmonia, completa.
Medicamentos especiais A proposta de uma compreensão do indivíduo de maneira ampla é sustentada por três áreas diferentes: a da individualidade (que consiste na terapia biográfica com a finalidade de promover autoconsciência); a da psique (tratada por psicólogos e também por arteterapeutas) e a área somática (na qual atuam especialistas de várias áreas, tais como nutrição, farmácia, enfermagem).
Os medicamentos são produzidos em farmácias antroposóficas e são obtidos na natureza, a partir de sustâncias minerais, vegetais ou animais. Antibióticos ou outras categorias de medicamentos sintéticos são usados apenas em situações emergenciais, quando o organismo do paciente não dispõe de forças ou de tempo suficiente para promover uma relação de equilíbrio.
O QUE É Surgida na Europa, a medicina antroposófica foi formulada com base na imagem do homem trazida pela antroposofia (ou ciência espiritual) do filósofo austríaco Rudolf Steiner (1861-1925). Trata-se de uma linha de pensamento que tem como objetivo promover o autoconhecimento humano integrado com a natureza.
Outras áreas, como a pedagogia Waldorf, a agricultura biodinâmica, a pedagogia curativa e até a economia foram inspiradas pelo conceito formulado por Steiner. A palavra significa conhecimento (sofia) do homem (antro). O desenvolvimento integral do homem é estimulado considerando sua alimentação, moradia e relacionamentos, além da formação intelectual e espiritual.
No campo da medicina, a linha antroposófica não se coloca como ciência alternativa mas, sim, complementar. Para Steiner, o homem tem quatro corpos, que devem estar em harmonia: o físico, material, e outros três, invisíveis o corpo vital, astral e o corpo espiritual.
BOM RESULTADO A consultora Fátima Justo Cortella, de 57 anos, iniciou o tratamento de uma artrose, em 2004, pelos métodos tradicionais e foi da medicina alopática para a homeopatia sem, porém, conseguir resolver seu problema.
Insatisfeita com os resultados, chegou ao tratamento antroposófico por indicação de uma amiga e foi em uma das consultas que descobriu que tinha câncer de mama. Fui me tratando e me interessando pela proposta. Comecei a pesquisar sobre a filosofia. Vale como um tratamento contínuo. Você começa a aprender mais sobre você mesmo e não somente a tratar de uma doença, conta.
Com um tratamento composto por vários profissionais, como oncologistas e clínicos gerais, Fátima encontrou, no acompanhamento antroposófico, uma forma de não se entregar à doença e não interromper as atividades que fazia antes de descobrir o tumor. Comecei a compreender a doença como um estágio da minha vida e aprendi que o câncer está relacionado ao emocional. Ou você muda e começa a melhorar o que está ruim ou seu físico vai continuar chorando.
Para o médico antroposófico Nilo Gardin, a contextualização da doença é fundamental para um diagnóstico eficiente. Perguntamos como a pessoa está emocionalmente. Não deixamos somente para o psicólogo, porque algumas doenças são difíceis de tratar sem saber mais sobre o emocional, explica.
DIETA ANTROPOSÓFICA A dieta antroposófica é baseada na linha ovolactovegetariana, isto é, considera que derivados de ovos, leite e vegetais são os alimentos necessários para a vida do ser humano. Os produtos podem ser consumidos crus, assados ou cozidos. Frituras são evitadas. É recomendado, também, que sejam ingeridos alimentos saudáveis e frescos, cultivados sob a luz do sol. (**)
As carnes não são proibidas, de acordo com a presidente da Associação Brasileira de Medicina Antroposófica (ABMA), Elaine Marasca (*). Cada um escolhe o que considera melhor no estágio de desenvolvimento em que se encontra, explica. Batata, cogumelo e frituras não são aconselhados. Segundo Elaine, a avaliação da comida leva em conta seu princípio ativo e também seu processo de crescimento, sua relação com as outras espécies e a relação harmônica com o ecossistema.
Para pacientes com câncer, os cogumelos, por exemplo, são considerados prejudiciais, pois apresentam um crescimento desordenado e brusco, o que não favorece o tratamento das células cancerígenas, segundo o entendimento da antroposofia.
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(*) Nota do webmaster: Elaine Marasca não é a presidente
da ABMA na data deste artigo, e sim da LUAAMA (Liga dos Usuários da
Arte Médica Amplicada). A presidente da ABMA é Rita Rahme.
(**) N.W. Não existe "dieta antroposófica". Na Antroposofia,
reconhece-se que essa é uma questão individual; em particular,
algumas pessoas podem ser vegetarianas, outras não. O que é
recomendado é que os alimentos sejam o mais naturais possível,
isto é, com um mínimo de industrialização e de
preferência produzidos na agricultura antroposófica, a agricultura biodinâmica,
que não emprega produtos químicos.