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PRÁTICAS DE ENSINO DE HISTÓRIA EM ESCOLAS WALDORF

TEXTO DE APOIO PARA O ENSINO DE HISTÓRIA NO 8º ANO

O RETROSPECTO

Copiado de Geoffrey Blainey, Uma breve história do século XX. São Paulo: Ed. Fundamento Educacional, 2009, cap.27, pp. 306-309

O século 20 foi partido em dois, com diferenças extraordinárias entre as duas partes. Começou com um otimismo incomum, diminuído logo nas primeiras décadas. Aconteceram duas guerras mundiais e uma depressão econômica de magnitude sem igual. Nos países prósperos, o padrão de vida aumentou pouco ao longo de cinqüenta anos. Nos países pobres, poucos sinais de melhora se fizeram notar.

A corajosa idéia da Liga das Nações, que deveria ser uma prevenção contra guerras internacionais, falhou. A democracia, que, entre 1900 e meados da década de 1920, havia se espalhado amplamente entre os povos europeus, não obteve o sucesso esperado. Ao contrário, possibilitou que Mussolini, Hitler e outros ditadores dessem seus primeiros passos rumo ao poder: eles praticamente receberam passe livre dos parlamentos eleitos. As mais importantes democracias, cujos cidadãos não se importavam com assuntos externos, falharam ao permitir que a Alemanha hitlerista se rearmasse. Em 1940, a França se tornou a primeira grande democracia a cair frente a um inimigo – um colapso inesperado.

Ainda havia razões para otimismo na primeira metade do século. As experiências comunistas, profundamente encobertas pela censura russa, eram vistas por centenas de milhões de estrangeiros como emocionantes ou atemorizantes. A União Soviética mostrou grande resistência na Segunda Guerra Mundial, sofrendo as mais pesadas perdas entre todas as nações e desempenhando um papel vital ao expulsar o exército alemão de volta para Berlim. Outro surto de otimismo acontecia: o espírito inventivo produziu diversos benefícios como o avião, o carro fabricado em larga escala, o rádio, o cinema, a televisão e a geladeira. Esses foram os alicerces da sociedade de consumo que viria a florescer na segunda metade do século.

Algumas instituições avançaram, enquanto outras – incluindo a monarquia – retrocederam. A democracia foi muito mais bem sucedida na segunda do que na primeira metade do século, uma vez que não enfrentou tantos testes como acontecera nas décadas de 1920 e 1930. Em 1901, ainda era rara; somente poucas nações davam a todos os homens o direito de votar, e nenhuma delas permitia às mulheres o direito ao sufrágio ou a concorrer ao parlamento. Mesmo em 2001, a verdadeira democracia continuava a ser uma corajosa experiência, apesar da história da antiga Atenas.

O individualismo político e econômico, bem como o prestígio das democracias capitalistas, decaiu muito durante a primeira metade do século, para mais tarde reaparecer vivamente. O comunismo, por fim, encontrou o precipício. O movimento ecológico, pouco visível em 1950, tornou-se tremendamente influente meio século mais tarde. A percepção de que o mundo diminuía e de que os povos de todos os continentes respiravam o mesmo ar se difundia por toda parte. As comunicações cruzavam o globo como um raio. Pela primeira vez na história, a maioria das pessoas, em vários países, vivia em cidades, e não na zona rural, trabalhando em outras atividades que não aquelas relacionadas ao campo ou às fábricas.

O século começou sob o domínio europeu e acabou com o Velho Continente em segundo lugar. Os vastos impérios ultramarinos cujos governos estavam na Europa Ocidental foram extintos ou continuaram apenas em poucas ilhas distantes. Desses evanescentes impérios emergiram várias nações independentes, especialmente na África e na Ásia, mas muitas delas não sabiam o que fazer com sua independência. No início do século, os Estados Unidos saíram cautelosamente de seu prolongado isolamento; no fim, prevaleciam como a única superpotência. A Ásia exercia pouca influência nos primeiros anos, mas, a partir da metade do século, sua crescente importância se fez notar em diversos grandes eventos – desde o bombardeio nuclear do Japão até a independência da Índia e a vitória do comunismo na China. Foi na Ásia Meridional que, pela primeira vez, as mulheres foram eleitas para o cargo de primeiro-ministro.

A China e a Índia, dois gigantes populacionais, eram vistas cada vez mais como líderes mundiais em potencial; mas os tortuosos acontecimentos do século anterior ainda não haviam esclarecido a questão crucial: uma grande população e um vasto território bastariam para que um país conseguisse exercer domínio global? A Grã-Bretanha havia sido um enorme império; a Alemanha e o Japão, com apenas uma fração da população do planeta, haviam derrotado ou desafiado os exércitos de outras nações durante vários anos; e Israel, mesmo cercado – apenas um ponto no mapa –, manteve todo o Oriente Médio em suspense.

Na segunda metade do século, foi realizada a exploração do espaço sideral, a aventura mais destemida desde que Cristóvão Colombo e Vasco da Gama atravessaram os oceanos cerca de quinhentos anos atrás. Nunca houvera semelhante época de avanços na medicina. As pessoas viviam por mais tempo, com menos sofrimento e sem a ameaça da escassez de bens materiais. Saber ler e escrever era uma exceção em 1901; em 2001, a regra. Embora o planeta enfrentasse muitas carências, elas eram bem menores em relação ao início do século. As questões da superpopulação e da poluição passaram a ser encaradas de frente, e a identificação desses problemas sinalizava o surgimento de uma consciência inexistente em 1901.

A disposição que imperava era permeada pela guerra e pelo medo da guerra. Na primeira metade do século, diversas vezes as nações tomaram a importante decisão de ir à guerra. Na segunda metade, tomaram a decisão – igualmente importante – de não ir.

Após o fim da Guerra da Coréia, em 1953, não houve outro conflito geral que envolvesse a maior parte das grandes potências. Embora disputas entre nações fossem travadas em quase todos os lugares após 1950 – havia mais nações do que nunca –, nenhum desses conflitos se assemelhou a uma guerra mundial. A primeira metade do século testemunhou duas grandes e imensamente destrutivas guerras. A segunda metade evitou-as, miraculosamente.

Especula-se que a invenção das horríveis armas de 1945 e o temor de uma terrível vingança caso fossem usadas tenham sido os principais motivos da longa paz entre as grandes potências nucleares, mas não se pode ter certeza. A grande questão do século 21 é justamente saber se a paz nuclear irá persistir e, comparados a ela, todos os outros problemas perdem a importância.

Em 3 de agosto de 1914, na eclosão da Primeira Guerra Mundial, o ministro das Relações Exteriores da Grã-Bretanha, Sir Edward Grey, fez uma observação solene: "As luzes se apagam por toda a Europa; não devemos tornar a vê-las acesas outra vez em nossas vidas". Mas, com o passar do tempo, as luzes voltaram a brilhar na Europa e em todo o mundo, mais poderosas do que nunca – ao mesmo tempo um prodígio e um perigo.


Colaborou: Walkiria Cavalcanti, bibliotecária da Escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo, em 9/2010.