A Propósito de Anjos
Raul da Franca Leal de Carvalho Guerreiro
Nürtingen, Alemanha - O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
(Revisão de artigo publicado na revista Crescer, Lisboa, dez. 1995, pp. 47-51)
Para a maioria das pessoas, o problema dos anjos (do grego ággelos = mensageiro) reside acima de tudo no fato de os mesmos serem "invisíveis". Assim, contrariamente a uma quantidade de coisas que chamamos modernamente de "realidade", eles não estão à venda nos supermercados, não se prestam para fazer negócios, não entram na política e também não tomam parte em programas de televisão. Em resumo, para muita gente os anjos são umas perfeitas inutilidades. Além disso, é preciso uma certa coragem para se falar de anjos a sério e em público, não vá alguém se lembrar de chamar um psiquiatra...
Os anjos existem?
É preciso aqui evitar logo à partida um erro fundamental: entrar em discussões ou altercações acerca da questão absolutamente desinteressante do "existir ou não existir" dos anjos. Senão, as pessoas se dividem entre descrentes ferrenhos ('não me venham com histórias da carochinha, comigo o negócio é ver para crer...') e crentes difusos ('não sei não, sinto que tem aí qualquer coisa mais séria... afinal, até está na bíblia, não é?') e o resultado é que propriamente o assunto dos anjos fica colocado de lado.
É também importante desmontar essa fantasia acerca da "invisibilidade" dos anjos, como se isso fosse prova de que eles não existem. Afinal, há um montão de coisas neste mundo que é invisível, mas ninguém se preocupa em provar se existem ou não. Por exemplo (para não falar de banalidades como o ar que respiramos ou o buraco na camada de ozono) também o nosso pensar, sentir e querer, que são fundamento do nosso complexo existir humano e não-animal, são tão invisíveis como os anjos. Igualmente invisível é uma declaração de amor (e ao telefone, sem pele para tocar, fica ainda mais invisível) ou uma palavra amiga proferida num momento de aflição. Também invisível é a força que nos sujeita a todos à superfície deste globo no espaço sideral, não esquecendo que invisível é também a radioatividade de Tschernobyl ou o sofrimento de uma mãe perante o seu filho abatido a tiro à saída da escola em qualquer canto do Kosovo. Se a gente fosse medir a realidade do mundo só na base do que é perceptível através dos sentidos, ficaríamos com um pobre mundo, feito apenas de minerais mortos, plantas e animais -- com homens, máquinas, armas atômicas e computadores à mistura.
Podemos assim deixar para trás o blá-blá infantil do "acredito/não acredito" e avançar no tema para colocar algumas questões bem mais interessantes: que espécie de existência têm os anjos, quais são as suas tarefas e como é que podemos chegar a contatá-los?
De que são feitos os anjos?
Comparado com as nossas assim chamadas "faculdades superiores" o nosso corpo físico pode ser chamado, sem pejorativos, de veículo inferior da condição humana. O investigador Rudolf Steiner sugeriu uma vez que podemos formar uma boa idéia daquilo que no caso dos anjos é veículo inferior, ou seja o seu "corpo", se tivermos em mente a vasta diversidade dos elementos naturais que nos cercam, nas suas formas etéricas mais delicadas: a neblina que se ergue e se abate sobre campos e montanhas, a água de uma fonte que irrompe de uma rocha e se projeta fragorosamente num abismo, a portentosa descarga elétrica de um raio cortando os ares, momentaneamente unindo o céu e a terra, ou ainda as massas de ar que cruzam como vento o espaço em todas as direções, etc.
Devemos assim ter em mente que os anjos pertencem a um vasto espaço nocional que é como uma espécie de contrapartida existencial, não-sensorial, do nosso mundo sensorial. Por outras palavras, eles habitam na "outra metade" do mundo.
O problema dos atuais crentes da decadente Seita Universal da Matéria (também apelidados comumente de materialistas científicos racionais) é que, quando ouvem falar em "mundo não-sensorial", costumam sentir um arrepio, começando logo a fazer fogo com os canhões da defesa costeira da massa cinzenta sob a calota craniana: "Devagar aí minha gente -- se é não-sensorial, então não dá para sentir, e se não dá para sentir, então não existe, e se não existe é inútil, e se é inútil pertence ao lixo".
Na verdade, para além do complexo e fascinante "mundo real- material" acessível à nossa instrumentação biológica, a esfera do "não-sensorial" é também um espaço extremamente real e denso da existência superior intrínseca de qualquer ser humano. Afinal, é nesse domínio que estão presentes os nossos ideais, os nossos impulsos de vontade, os nossos esforços de orientação da própria vida e destino, etc.
O interessante no caso dos anjos é que, pelo fato de eles prescindirem de um corpo biológico como o nosso, a sua constituição inferior ou "corpo", fica um degrau acima da nossa. Eles evoluíram para uma hierarquia logo acima do plano humano, onde têm à disposição possibilidades de incorporação na natureza ou na subconsciência humana. As suas energias e qualidades são necessária e intrinsecamente diferentes daquelas que vigoram para a assim chamada condição humana. As pessoas que sabem o que é estar intensamente expostas aos elementos (por exemplo, através de uma demorada excursão pelas montanhas, de uma perigosa viagem marítima ou de intenso trabalho em campo aberto) conhecem muito bem esta experiência subtil, em que nos apercebemos intuitivamente da presença nos elementos de forças para além da realidade física que nos cerca.
As hierarquias esquecidas
A classificação das entidades angelicais foi praticada em todas as religiões ocidentais (Zoroastrismo, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) segundo um sistema de 4, 7 ou 12 hierarquias, refletindo em geral as concepções cósmicas gregas ou iranianas. Todas as outras religiões do mundo, em todos os tempos e por vezes de maneira complexa e aparentemente desordenada, assumem fundamentalmente a presença de "entidades invisíveis" como uma parte integral da condição existencial do mundo. Tanto quanto se sabe, Dionísio o Areopagita, uma personalidade grega que foi convertida ao cristianismo pelo apóstolo Paulo, foi o primeiro a sistematizar o coro dos anjos segundo 9 hierarquias, com a fórmula 3 x 3 (três entidades distribuídas em cada um de três grupos). A primeira e mais elevada hierarquia é aquela dos seres que que se encontram, segundo a tradição, "perante a face mesma de Deus": Serafins, Querubins e Tronos. Segue-se um grupo intermediário: Potestades, Virtudes e Domínios; e por último as entidades mais próximas do homem: Principados, Arcanjos e Anjos.
Em muitas culturas primitivas -- como por exemplo a azteca, maia ou indiana -- fala-se intensamente de variados "deuses", em geral emplumados, os quais afinal são um retrato destas hierarquias angelicais na sua ação interveniente nos destinos humanos. Um exame rigoroso da mitologia grega, por exemplo, demonstra que os seus "deuses" eram entidades específicas das hierarquias mais próximas do homem: anjos e arcanjos. Nos primeiros tempos da cristandade, o sólido conhecimento das relações entre homens e anjos fazia parte da prática natural da vida religiosa (todos os livros do novo testamento falam, nos seus capítulos de abertura, de um anjo). Além disso, a sua presença, especialmente a hierarquia mais íntima do homem, era percebida em visões, estados semi-oníricos ou arrebatamentos de êxtase. Com o passar dos séculos este vínculo se perdeu, e o conhecimento das nove hierarquias caíu em esquecimento. Em suma, os anjos foram "abandonados". Hoje em dia, até em círculos docentes de universidades teológicas se podem ouvir troças veladas sobre esses "adornos religiosos" que se encontram espalhados por todo o novo testamento.
A razão deste aparente "eclipse" dos anjos deve-se por um lado ao fato de os homens realmente já não perceberem os mesmos na intimidade da sua alma (como era o caso em tempos remotos, em que uma certa clarividência constituía um atributo natural e involuntário de inúmeras pessoas). Por outro lado, a nossa moderna era de uma cultura fundamentada sobretudo na carismática experiência sensorial, provoca um desinteresse por tudo que esteja acima dos sentidos, até ao ponto extremo de alcunhar de ridículo ou irracional qualquer coisa que se revista de um caráter superior. Neste sentido, a personalidade de Bultmann, um estudioso protestante do início do século, ocupa um lugar central entre os promotores de uma pretensa onda de "desmistificação" da visão religiosa do mundo, a qual de fato veio colaborar para o crescimento desmesurado do atual materialismo científico e o conseqüente empobrecimento da cultura religiosa em termos de verdades fundamentais.
Porquê os anjos têm asas?
Evidentemente os anjos não têm propriamente asas, mas a nossa representação artística dos anjos necessita de um símile que torne compreensível certa característica do seu estado de ser. No mundo animal, os pássaros constituem a espécie que tem a capacidade (uma capacidade que podemos chamar virtualmente de "sobre-humana") de se elevarem no espaço por energia própria. Da mesma maneira, a tradição de representar os anjos como seres alados quer precisamente tornar patente as suas qualidades espirituais sobre-humanas. O mesmo se aplica a inúmeras tradições artísticas dos grandes mestres, onde as próprias asas dos anjos estão cobertas de uma miríade de olhos. Ao contrário dos nossos olhos humanos, dirigidos exclusivamente ao mundo físico, estes olhos simbólicos querem significar que a consciência e habilidade perceptiva, ou seja a "visão" das hierarquias angelicais, está projetada de uma maneira integral para as realidades do mundo supra-sensível, em todas as direções e planos. O fato de que as asas "crescem para trás", portanto inacessíveis aos próprios olhos, ajuda também a evidenciar que se trata aqui de uma dimensão da vida que se encontra oculta da visão física, ou seja, "para trás e para além" dos homens. Mais um símile ligado aos animais alados: tal como os pássaros detêm uma relação especial com a luz física, também os anjos vivem numa realidade espiritual dominada pelo elemento "luz do princípio divino". Por outras palavras, aquilo que o mundo dos pássaros expressa exteriormente, os anjos o realizam interiormente.
Considerando assim os homens como seres intermediários entre os animais e os anjos, poderíamos nos perguntar: porque é que os homens não têm asas ou coisa parecida? A resposta é que os homens -- todos os homens -- têm precisamente algo como asas, uma espécie de asas espirituais em desenvolvimento. Num futuro distante, elas serão parte integrante do seu estado humano imaterial metamorfoseado. No mundo quotidiano fala-se até de 'dar asas à imaginação' para designar uma atividade interior especialmente criativa; também se fala de 'dar asa' para significar uma oferta de independência e intimidade, ou então de 'ganhar asas' para indicar o esforço anímico de alguém que se ultrapassa a si próprio. Neste sentido, os homens realmente já podem ter asas, mesmo que só por momentos. Mas elas podem ser estimuladas, treinadas e intensificadas, até ao ponto de uma pessoa ganhar já hoje algumas das qualidades e habilidades que pertencerão à humanidade no futuro. Qualquer pessoa que se dedique a cultivar esse espaço não-sensorial da vida interior, aparentemente invisível ou obscuro porque situado "à retaguarda", está virtualmente promovendo as suas asas e melhorando o seu contato com os anjos; ou seja, está promovendo uma iluminação e expansão da própria consciência.
Como são os homens, vistos pelos anjos?
É preciso primeiramente lembrar novamente que, entre a diversidade de seres angelicais, a nona hierarquia (os anjos que a tradição chama de anjos da guarda ou protetores) tem a máxima intimidade com os homens, pois o seu estado de consciência está um grau acima daquele dos homens. A intensa proximidade destes anjos - consignados um para cada ser humano - significa que os mesmos desenvolvem a sua consciência e habitam nas dimensões superiores da existência humana, isto é, nas forças ligadas com o destino, ideais, ações e sofrimentos dos homens. Aí eles se sentem "como em casa" e podem consequentemente agir.
Vistos pelos anjos, os homens só surgem como uma imagem nítida e luminosa na medida em que estão em causa as suas melhores qualidades e intenções. Tudo aquilo que pertence mais ou menos ao quotidiano material, ou à compulsão causal do mundo físico, é apreendido pelos anjos como se fosse uma região escura numa pintura. Por outro lado, quanto mais impulsionadas forem nos homens as preocupações superiores do espírito - intelectuais, artísticas ou religiosas - mais nítidos ficam os contornos, mais fortes as cores e mais brilhantes as imagens que um anjo pode formar. Desta maneira, embora os anjos não tenham um acesso direto às condições materiais, crescem as possibilidades de sua intervenção nas forças positivas da vida individual dos homens, especialmente em assuntos que dizem respeito ao destino e à orientação da vida no seu todo.
Muitas representações artísticas clássicas mostram anjos tocando instrumentos, especialmente trombetas. Isto pretende representar a afinidade muito especial que as hierarquias têm com a esfera musical e com os seus impulsos puramente espirituais, algo que os homens também conseguem afinal perceber quando estão mergulhados em estados de elevação e inspiração através da música. Diz-se até popularmente que alguém foi transportado "pelas asas da música". A experiência musical tem realmente algo de espetacular: ela permite aos homens acessar estados supra-sensíveis (ou seja, o domínio espiritual) sem ter que abandonar o material! Por outro lado, é preciso não esquecer que neste domínio também se levanta a questão da espécie de "espiritualidade" que se pretende invocar, pois através de formas brutais e degeneradas de "música" pode-se igualmente apelar não ao supra-sensível habitado pelos anjos, mas sim ao infra-sensório habitado por forças contrárias.
Os nossos anjos da guarda
A nona hierarquia ocupa-se dos homens de uma maneira especial, não só durante cada minuto da vida como também ao longo das suas anteriores e futuras incarnações. Esta classe de anjos conhece integralmente, tal como se fosse um livro aberto, as forças de destino que trabalharam no passado e estão agora no presente trabalhando sobre os homens. Mais importante do que tudo, graças a uma consciência omnisciente dos caminhos e descaminhos já trilhados pelos homens ao longo dos anteriores séculos e milênios -- ou seja, os seus atos, sofrimentos, negligências e aspirações de vida -- os anjos sabem "o que é necessário que venha". Esta é uma característica fundamental dos anjos, o que inclusive está patente no vocábulo grego ("ággelos") significando "mensageiro". Eles intervêm assim no destino dos homens, mas sem chegar a determinar de maneira absoluta o seu futuro. Ao contrário do que é sugerido por modernas formulações decadentes de leis espirituais, infelizmente muito em moda como paliativo para tensões advindas do esvaziamento espiritual da cultura (por exemplo, a lei do karma e da predestinação, ou a astrologia mundana), os anjos só impelem ou sugerem os homens na medida exata da sabedoria da sua espiritualidade e em conformidade com a identidade do Eu próprio de cada pessoa. A liberdade intrínseca dos homens, enquanto seres espirituais, não é alterada.
Os anjos operam através de contínuas e delicadas operações nas esferas da imaginação, inspiração e intuição, sugeridas à psique mais profunda dos homens. Além disso, em determinados momentos de "emergência" eles podem intervir instantaneamente em estados mais densos da consciência das pessoas, a fim de provocar certos acontecimentos. A história da humanidade -- e a época portuguesa dos descobrimentos é rica em episódios deste gênero -- está repleta dos mais variados exemplos de impulsos súbitos, por vezes absolutamente irracionais, que que podem dominar uma pessoa em estado de vigília ou em sonhos, revelando-se depois como providenciais para determinados acontecimentos importantes na sua vida pessoal ou coletiva.
Não só o povo fala vagamente de "providências divinas", mas até grandes nomes da ciência e da cultura devem suas criações ou decisões vitais a momentos deste tipo. Nestes casos, o anjo propriamente não interfere diretamente no mundo físico, mas sim inculca determinados impulsos na esfera volitiva de uma pessoa, os quais depois têm conseqüências até ao nível físico e prático. Por outro lado, uma pessoa pode também se fechar ou endurecer intimamente, até ao ponto de não estar receptiva para estes instantes. A sua condição pode então ser simplesmente comparada à de um telefone desligado, incapaz de receber as chamadas dos anjos.
Os anjos têm além disso uma espécie de percepção sintética ou "visão de conjunto" sobre os destinos comuns de variadas pessoas, de modo que conseguem interferir providencialmente também nos assim chamados "acasos" entre pessoas. Existe a história real de uma jovem que um dia sonhou de maneira realística que um anjo lhe mostrava o semblante do seu futuro marido. A imagem onírico-premonitória inculcada na sua memória foi tão poderosa, que ela durante muito tempo se concentrou em procurar, um pouco por todo o lado, o rosto do "homem da sua vida". Passaram-se os anos, durante os quais o assunto esmoreceu. Um dia, ela foi convidada para fazer férias num país estrangeiro, na casa de uma família amiga. A sua estadia numa pequena aldeia tradicional da Escandinávia foi um sucesso, sendo que no último dia o pessoal organizou uma festa tradicional de despedida. No final da mesma ela deveria embarcar num navio. Já mais no fim da festa, apresentou-se por acaso no local um amigo da família, que segundo a tradição vigente devia também obrigatoriamente dançar pelo menos uma vez com a visitante. No meio da dança, a moça reconhece no jovem o tal "homem mostrado pelo anjo" e, como que atingida por um raio, conta-lhe rapidamente a história. Ela explica que não há tempo a perder, porque tem que embarcar em seguida de volta para a sua pátria distante, e pergunta à queima-roupa se ele quer casar com ela. O rapaz, semi-aturdido, pede uns momentos de reflexão e em seguida concorda. Mais tarde eles se reuniram, casaram e tiveram uma harmoniosa vida, rica em filhos e em experiências.
Anjos e crianças
O anjo prepara os elementos vitais do destino já antes do nascimento de um indivíduo. A busca dos pais certos, no momento certo e no local certo, é uma tarefa típica do anjo neste estado preparatório da incarnação, destinado a encontrar determinada constelação complexa de elementos sociais, culturais e genéticos que se ajustem às necessidades de desenvolvimento do Eu que está por incarnar. No Novo Testamento é relatado como Maria recebe, e compreende, a mensagem de um anjo que lhe faz a anunciação. Uma experiência semelhante parece hoje uma fantasia para o comum dos mortais, mas as investigações da psicologia pré-natal demonstram que, em todo o mundo, cada vez mais pais sentem uma premonição acerca da chegada de uma criança.
Quando não embrutecidas por circunstâncias exteriores negativas, as próprias crianças parecem demonstrar uma habilidade especial para sentir a presença dos anjos, como se tivessem uma "linha telefônica" normal com o mundo espiritual, conforme disse Rudolf Steiner já em 1920, na sua conferência sobre a missão da nova cultura espiritual no mundo. Isto é facilmente compreensível, se considerarmos que as crianças praticamente "acabaram de chegar do lado de lá", onde viveram em estado puramente não-sensorial e em total intimidade com as mais variadas hierarquias angelicais, antes de serem conduzidas para o mergulho na matéria. Durante os primeiros três anos de vida o anjo envolve e permeia por completo a existência infantil, trabalhando afincadamente na substanciação do seu Eu. A criança está nesse período virtualmente mergulhada numa atmosfera espiritual. Muitos sábios até já disseram que se pode aprender muitíssimo da pura observação detalhada de uma criança de tenra idade.
Com 3 anos, a criança começa a dizer "eu" e em seguida começam a trabalhar nela os elementos específicos do destino, a caminho da vida adulta. Mas a relação com o anjo permanece especialmente forte ao longo da infância, até aproximadamente à puberdade. Por isso é recomendável e saudável manter uma espécie de "cultura do anjo" na idade infantil. É espantosa a força espiritual positiva desencadeada, e o trabalho de consolidação da personalidade de uma criança, quando os pais cultivam o hábito de um verso ou 'oração' ao anjo, formulado antes do adormecer (está na memória uma das fórmulas mais singelas conhecida em Portugal: "Anjinho da guarda, minha doce companhia, guardai-me esta noite e amanhã todo o dia"). A formulação exata não tem importância, e também não se trata aqui de inculcar hábitos 'religiosos' na criança. Uma criança é por si já culto e religião suficientes. As investigações simplesmente demonstraram que as crianças educadas numa atmosfera de respeito e recato perante (pelo menos) esta dimensão da realidade espiritual, desenvolvem-se mais saudavelmente em termos físicos e psíquicos, e aprofundam melhor a identificação com o seu destino como futuros adultos. Quadros e pinturas de anjos não são seguramente objetos destinados a alimentar uma irracional crendice ou idolatria, mas sim valiosíssimos elementos artísticos que ajudam a sugerir a essência de uma presença espiritual universal, ativa de maneira positiva e permanente na vida de crianças e adultos.
Os anjos em marcha
Em todo o mundo assinala-se hoje em dia um crescente e surpreendente interesse pela literatura "angelical". Alguns dirigentes religiosos formalistas até já começam a reclamar que as crianças falam mais de anjos do que de Deus...
Efetivamente, está em curso nos nossos tempos -- tão invisivelmente como a própria presença dos anjos, mas com iguais conseqüências -- um histórico processo de expansão e revelação de forças espirituais, que não tem paralelo na história do mundo. Um dos seus efeitos é o despertar simultâneo de milhões de pessoas para a necessidade de alimentar as suas existências com algo mais do que a mera luta pela existência, a qualidade material da vida ou a permanente luta pela afirmação da sua personalidade livre. Simultaneamente com este verdadeiro chamado na mais profunda essência oculta dos homens, erguem-se hoje formidáveis forças antagonistas que tentam obscurecer a consciência e receptividade das pessoas, utilizando para tal todos os meios concebíveis: uma medicina marcada pela distância humana e pela robotização dos procedimentos, uma política baseada em premissas decadentes e materialistas, uma cultura dominada por meios audio-visuais que apelam à violência e à provocação de instintos sexuais sem contexto anímico, um jornalismo de baixo sensacionalismo, uma ilusão de "mundos transcendentais" através de drogas, um virtual envenenamento coletivo por meio da poluição química, sonora e psicológica do meio-ambiente, uma militarização da vida laboral e política, e ainda uma invasão de mensagens rebuscadas de pretenso espiritualismo vindas de gurus de todas as cores e tipos (até mesmo sob a bandeira de Jesus-Cristo), que redundam quase sempre numa dependência sub-reptícia das consciências, etc.
No meio de tudo isto o mundo espiritual, e em especial o mundo dos anjos, iniciou uma fase histórica de revelação (Apocalipse) que está sacudindo contínua e invisivelmente o mundo. Mas não se trata da intervenção de um qualquer Deus jeovático castigador, que vem ajustar contas com uma humanidade pervertida e oferecer o paraíso para os bons, como muitas seitas de fim-de-mundo apregoam. Trata-se simplesmente de uma evolução natural daquilo que se vem preparando desde há séculos, como chance de desenvolvimento, de "pulo qualitativo" espiritual para a humanidade.
Os anjos como modernos mensageiros do futuro
Os anjos voltaram a falar -- e a falar forte -- aos homens, trazendo os seus impulsos e pondo as suas forças à sua disposição. Este processo decorre ininterruptamente, em todo o mundo, permeando todas as culturas e religiões e afetando até mesmo as pessoas que se dizem ateístas. Como disse uma vez simbolicamente Rudolf Steiner (propulsor da Antroposofia como ciência espiritual própria para os nossos tempos), está "chovendo a cântaros" do mundo espiritual. Mas o perigo enorme na nossa era reside no fato de que este processo se desenvolve invisivelmente durante a noite, enquanto os homens estão mergulhados no "sono", isto é, na estação diária de "encher os tanques" nas regiões espirituais. Seria uma tragédia se a humanidade, no futuro próximo, não despertasse consciente e ativamente para a presença do "outro lado" da realidade e, entre outras coisas... esquecesse os anjos.
Os anjos são parceiros tão fiéis dos homens que sofrem com eles. Mais do que isso, os anjos precisam de ser regularmente lembrados na consciência dos homens, a fim de verem revitalizada e confirmada a sua ligação e poderem realmente GUARDAR e AJUDAR.