PORQUE SUA LIBERDADE
ME É TÃO CARA QUANTO A MINHA
Relato
sobre um trabalho de prevenção
Rainer Schnurre
Das Goetheanum, Ano
83, No. 31-32, 1/8/04, pp. 1, 3-6
Trad. H. Wilda, publicado no Boletim da Sociedade Antroposófica
no Brasil No. 35, 9/04, pp. 21-31;
revisão desta versão: V.W. Setzer
A
consciência social não deve assustar-se apenas com a crescente
onda de drogas que atinge alunos cada vez mais jovens e os impele para
o vício; já o consumo de bebidas álcoólicas
e tabaco, que também está crescendo, coloca questões
gravíssimas a respeito de como é possível chegar
àquele vício. Os pais mal se dão conta da dependência
existente e incofessada de seus filhos, mas muitas vezes receiam-na. Assim,
eles procuram aconselhamento, até querem engajar-se no trabalho
de prevenção nas escolas. A seguir, o artista social Rainer
Schnurre, que às vezes trabalha em escolas Waldorf com pais, professores
e alunos sobre a questão das drogas e os possíveis perigos
do vício, relata o andamento típico de um seminário
de prevenção.
---
Pais Waldorf procuram-me
e descrevem as suas dúvidas e preocupações. Por
exemplo, que a filha ou o filho poderiam tomar drogas, que o consumo
de tabaco e bebidas alcoólicas poderia ser iniciado cedo demais
ou tornar-se excessivo. Antes de tudo, no entanto, o que os preocupa
muito, como frisam sempre de novo, é a prevenção,
pois eles mesmos gostariam de fazer um trabalho preventivo na sua escola
Waldorf. Enquanto dúvidas, preocupações, esperanças
e dificuldades são externados, eu experimento o receio latente,
não exposto, dos pais, a carga perceptível de suas preocupações
justificadas, a sua perplexidade opressiva, que nem sequer são
capazes de admitir perante si mesmos.
A resposta em
forma de pergunta - e o embaraço
Em vez de aprofundar-me
diretamente em todas as preocupações e perguntas justificadas,
eu coloco, como a minha primeira resposta, uma pergunta aos presentes:
"Quem dos Senhores toma bebidas alcoólicas?" – A atmosfera
muda. Todas as preocupações honestas desaparecem e uma
certa hostilidade latente toma conta de toda a cena (1). Geralmente
quem começa a responder é alguém que, consistentemente,
não ingere bebidas alcoólicas. Muitas vezes segue-se então,
como que repentinamente: "O Senhor não pode proibir o meu
copo de vinho no jantar!" Eu: "Perguntei apenas quem toma
bebidas alcoólicas, mais nada." Silêncio perplexo.
Ele me é familiar. Não me inquieto mais com isso. Uma
outra pessoa rompe o silêncio ‘insuportável’: "Em
verdade nós o convidamos para discutir com o Senhor nossas preocupações
e receios, para que os nossos filhos, se possível, não
tomem drogas, e não sucumbam ao álcool. Trata-se dos nossos
filhos." Eu: "Sim, eu o compreendi. Mas os Senhores não
querem nem acolher a minha primeira resposta." Uma outra pessoa:
"O Senhor ainda nem sequer abordou as nossas perguntas."
Eu: "Não,
é que simplesmente respondi diretamente demais. A minha primeira
resposta, agora mais detalhada, é: olhemos primeiro para nós,
reunidos aqui na sala." Uma outra: "Não somos um grupo
de com experiência própria." Uma outra pessoa: "E
por que não? Já que convidamos alguém e o consultamos,
não podemos esperar dele que nos dê respostas cômodas."
Um pai: "Mas, por favor, não é pelo fato de tomar
vinho de vez em quando, que eu logo tenho um problema de alcoolismo!"
Aprovação por parte de diversas pessoas. Eu: "O que
o senhor diria sobre o seguinte: a partir de quando uma pessoa tem um
problema de alcoolismo?"
Uma mãe:
"Quando alguém passar a ser dependente do álcool."
Uma outra: "Sim, se alguém for viciado, e depois não
puder mais viver sem bebidas alcoólicas." Um pai: "Como
podemos saber quando alguém é viciado e quando não
é? Os limites são fluidos." Os outros: "Exatamente".
Eu: "Essa é uma questão essencial. Vamos criar uma
base para conversar sobre isso. É claro que mais tarde tudo isso
deve ser trabalhado detalhadamente, mas por enquanto vou dar-lhes um
curto panorama dos diversos passos de desenvolvimento que podem levar
ao vício (ver figura abaixo). Por favor, não se incomodem
com o esquema (2), mas sigam o curso vivo dos pensamentos. O esquema
surgiu somente após uns 15 anos e não foi criado logo
de início."

O
caminho para o vício
Sem uma experiência
viva dessas sete qualidades, um esquema como esse permanece morto, e
não tarda em causar mais mal do que bem. Mas uma vez que essas
qualidades dos passos forem elaboradas vivamente, esse esquema ‘caminho
para o vício’ pode ser ampliado para um ‘caminho para fora do
vício’ e, então, consequentemente, também surge
um terceiro caminho: o ‘caminho da prevenção’.
Caminho
para o vício
1º
passo: a primeira vez.
Antigamente,
eu defendia neste ponto a opinião, totalmente errada, de
que a primeira vez representa o fundamento para o vício.
Eu explicava: se não tivesse havido uma primeira vez, não
poderia ter surgido um vício. Pela lógica formal,
isso não parece estar errado. Em realidade, porém,
é um pensamento extremamente hostil à vida. A primeira
vez é incomparável. É a vida plena. O que
quer que seja: o verdadeiro problema começa com a segunda
vez.
2°
passo: A(s) repetição(ões)
Com
a segunda vez, a primeira repetição, começa
(despercebidamente) o perigo. Se a primeira vez foi, por exemplo,
uma experiência assustadora, eu quero, tal qual os outros,
fazer uma vez uma experiência ‘boa’. Se a primeira vez foi
uma experiência ‘boa’, quero fazê-la outra vez. A
segunda vez, no entanto, jamais será igual à primeira.
Portanto, mais uma vez, mais uma vez, mais uma vez...
3º
passo: Acostumar-se – o hábito
Sem
percebê-lo, as muitas repetições tornam-se
um hábito. Aquilo ao qual me acostumei, ocorre com uma
certa regularidade. Tão logo algo contradiga o hábito,
começa a me faltar algo.
4°
passo: A dependência
Se
o hábito ao qual me afeiçoei não puder ser
efetivado imediatamente, falta-me algo. Experimento-o como indispensável
à vida.
5º
passo: O vício
Tampouco
quanto reconheço a dependência como tal, tampouco
reconheço o vício como tal. Só digo "Sou
viciado", quando todos, mas realmente todos os pretextos
foram usados. Justamente o viciado sempre repete: "Eu posso
parar a qualquer momento". Por isso não consigo mais
me desenvencilhar sozinho do vício. O problema é,
entretanto, que acredito, sem razão, poder fazê-lo
sozinho, sem realmente consegui-lo.
6º
passo: Vício crônico
Viciado
de forma crônica é, quem se diz todo dia, que poderia
parar a qualquer hora, mas está ocupado unicamente com
a satisfação contínua do seu vício.
Isso continua até o ponto em que não é mais
possível continuar. Seguem-se colapso após colapso,
desintoxicação após desintoxicação.
É difícil prever um fim.
7º
passo: Ânsia de morte
O
vício crônico leva à ânsia pela última
sensação, a ‘dourada’ [goldenen Schuss],
que me carrega por sobre do ‘abismo’, ou ao último ‘gole
áureo’, que me conduza para fora do ‘vale de lágrimas’,
ou para o ‘derradeiro cigarro’ que me conduza ao ‘Nirnava’.
|
O meio-termo
que decide tudo: onde começa a dependência?
Para poder orientar-me
nesse ‘caminho para o vício’, preciso de um critério objetivo.
Onde posso encontrá-lo? Resposta: na metade do caminho! Mas o
que é uma metade? Além de muitas outras coisas, ela é,
como em muitos outros casos, um lugar da impotência como também
da liberdade (3). A pergunta decisiva aqui é: o que aparece no
centro do ‘caminho para o vício’? É a ‘dependência’.
Aqui aparece, inesperadamente, na metade, um critério para mim
mesmo.
Com isso fica evidente
que o ponto do meio também é o ponto crucial ou centro
de rotação e fulcro nos processos vivos. Tudo gira, muda
ou se transforma ao redor e através daquele ponto central. No
aconselhamento e acompanhamento surge aqui uma primeira pergunta central:
até que ponto a dependência progrediu?
"No estágio
da dependência, a pessoa ainda pode voltar por si próprio,
se bem que, talvez, com acompanhamento. No vício não há
mais volta. Ai, só existe ainda um escapar." Silêncio
consternado.
Uma mãe:
"Mas como posso saber se um jovem talvez já seja dependente,
por exemplo, do tabaco ou de bebidas alcoólicas?" Eu: "Bem
simples." A mãe: "Ah, agora estou muito curiosa!"
Hilaridade geral. Eu: "Agora fica difícil. Chamo-o, em sentido
figurado, o ‘teste rápido do tornassol anímico’. Rápido,
porque reage em fração de segundos – sem deixar dúvidas
–, e logo me fornece informações. Então, vejamos
agora o teste do tornassol: Quem quiser saber se é dependente
de alguma coisa, no nosso caso de tabaco ou de bebidas alcoólicas,
que o deixe por completo, e imediatamente. A resposta, os Senhores darão
a si mesmos por meio do ato subsequente. Ou renunciam por livre e expontânea
vontade, ou continuam como antes. Neste último caso, os Senhores
são dependentes."
Silêncio perplexo.
Um pai: "Mas, por favor! Então não posso mais freqüentar
reuniões sociais. Hoje consomem-se bebidas alcoólicas
em toda a parte – quase em toda a parte..." Eu: "Sim, a situação
é como o Senhor diz." Uma mãe: "Mas eu não
sou dependente, se uma ou duas vezes ao mês bebo um copo de champanhe
ou desfruto de uma bela garrafa de vinho com minhas amigas." Eu:
"Se não conseguir viver sem bebidas alcoólicas, a
Senhora é dependente delas." Um outro pai: "Agora chega!
– Não permito que o Senhor determine, se sou dependente! Eu não
bebo, mas saboreio. Talvez o Senhor não entenda, mas gosto de
desfrutar um vinho de boa qualidade. Hoje em dia ele até existe
em qualidade Demeter, sem as muitas substâncias nocivas. E para
mim, uma boa refeição requer um bom vinho! E, às
vezes, um bom trago faz parte de uma noite social." Uma mãe:
"Justamente!" Uma outra mãe: "Mesmo assim – a
questão era: sou dependente? E se não posso renunciar
deliberadamente ao álcool, foi dito que sou dependente. Infelizmente,
ele tem razão. É verdade..." Uma outra mãe
(interrompendo-a): "Você pode falar sem problemas, você
não tolera bebidas alcoólicas, e tampouco já chegou
a fumar!" A primeira: "Está certo, mas esse não
é o tema. Ele tem razão, não importa se eu tomo
bebidas alcoólicas ou não. Se não consigo renunciar
deliberadamente, sou dependente." Um pai (interrompendo-a): "Não
permito que alguém me proíba o meu vinho, nem o Senhor,
nem você!" Outros (rindo): "Pois sim, apenas por vinho!"
O primeiro: "Agora bastaq para mim!" Eu: "A questão
aqui é, portanto: posso imaginar uma vida sem bebidas alcoólicas
ou sem tabaco?" Uma pessoa (rindo): "Imaginar, sem dúvida!"
Outra: "É claro que posso imaginá-lo; mas não
quero que alguém me diga, se posso ou não posso tomar
o meu vinho." Eu: "Em verdade não se trata de impor
ou ditar normas, mas a questão é: a partir de quando eu
sou dependente? Resposta: quando não consigo renunciar deliberadamente,
eu sou dependente."
Uma
mãe: "Para dizer a verdade, nós o convidamos para
falar com o Senhor sobre os perigos do consumo de bebidas alcoólicas
e drogas e uma possível prevenção para as nossas
crianças e adolescentes em crescimento. E, agora, ele só
fala conosco sobre nós mesmos." Eu: "Essa é
a precondição para que seja possível exercer uma
prevenção eficaz." Uma mãe (quase indignada):
"Mesmo o professor responsável pela questão das drogas
em nossa escola de vez e quando toma bebidas alcoólicas. Isso
é seu assunto particular . Contra isso não há nada
a objetar."
Eu:
"Há sim! Isso não é somente o seu assunto
particular, se na escola ele é responsável pelas questões
relativas às drogas e até pela prevenção."
Uma outra pessoa: "Ah, agora acaba vindo a proibição,
de sua parte." Eu: "Não, não é proibição,
somente coerência e clareza. Trabalho preventivo é um dos
mais difíceis. Não posso assumir esse trabalho indiscriminadamente
e pretender que poderia vesti-lo como se veste uma roupa bonita. A prevenção
já não é mais um trabalho comum de esclarecimento.
Para isso preciso de habilidades bem especiais, e inicialmente não
as tenho. Esse reconhecimento doloroso é um primeiro pressuposto,
pois um verdadeiro trabalho de prevenção não vai
apenas até a razão; nesse caso, tudo fica preso na cabeça,
e permanece sem efeito mais profundo. Na cabeça, também
os adolescentes são compreensíveis, até mesmo razoáveis,
mas não na capacidade e no atuar, nem os adolescentes nem nós
adultos – sempre excluindo os presentes." (Hilaridade forçada.)
Eu:
"Quem quiser exercer um trabalho de prevenção sem
uma auto-educação intensa, é parecido com aquele
que tem pressa para chegar a algum lugar, partindo com o pé na
tábua sem soltar o freio de mão, sem o perceber. Porém,
um genuíno trabalho de prevenção pressupõe
um auto-conhecimento e uma auto-superação conscientes
e exercitados energicamente.
O exemplo
de Gandhi
Uma mãe
chegou a Ghandi com seu filho e disse: "Por favor, diga ao
meu filho que ele não deve mais comer doces. Não
faz bem a ele, e a você ele obedece." Ghandi respondeu:
"Volte em uma semana." Após sete dias ela volta
com seu filho, e Ghandi diz à criança: "Renuncie
aos doces, fará bem a você". A mãe exclama
espantada: "Mas Gandhi, por que você não lhe
disse isso logo?" Ghandi respondeu: "É que primeiro
eu mesmo tive que conseguir renunciar aos doces."
|
Todo o resto é
falso e não é prevenção; na melhor das hipóteses,
é má propaganda, disfarçada de esclarecimento.
Quem quiser atuar no trabalho de prevenção, deve
– por favor, prestem atenção na vívida contradição
– poder e querer desistir deliberadamente . Desistência
não é sofrimento como muitos acham, mas o estreito portão
para a liberdade sem imposição. Desistência silenciosa
exercida deliberadamente liberta nos Senhores forças inesperadas.
Por isso, ela é também a única chave para sair
da dependência e é uma grande ajuda na terapia de vícios.
Abstinência deliberada também é o conceito central
no trabalho de prevenção, pois somente pelos próprios
exercícios espontâneos de abstinência resultam-lhes
as forças que sem isso faltam, se os Senhores ficarem presos
ao consumo, justamente do que querem poupar a juventude."
"Eu
quero renunciar"
Eu concluo: "A
frase central é: ‘Eu quero renunciar!’ (4) Experimentem meditar
essa frase. Ela produz milagres, mas somente para os que a levam a sério.
Mas então não é um milagre, porém é
mais do que isso. No esclarecimento geral posso ficar discutindo. Isso
é só para a cabeça. Na prevenção
não devo mais querer discutir mas, em vez disso, trabalho rigorosamente
em mim próprio, por causa do aumento de energia que necessito
sem falta. Os que querem atuar nesse âmbito devem chegar à
altura de todas, no caso, da única pergunta das
crianças e dos adolescentes. Pois tão logo os Senhores
forem ao encontro deles exigirem ‘esclarecimento’ ou até mesmo
‘prevenção’ em questões relativas a drogas, consumo
de bebidas alcoólicas ou tabaco, serão confrontados, de
forma implacável, com uma questão não pronunciada
que terão de responder. Se não for respondida pelos Senhores
de forma honesta, as crianças e adolescentes permanecerão
hermeticamente fechados frente aos Senhores. A pergunta é mais
ou menos a seguinte: ‘Cite uma única razão verdadeiramente
convincente, porque eu não deveria consumir drogas ou tomar bebidas
alcoólicas? Somente uma!’ Procurem solucionar essa pergunta enigmática.
Qualquer razão que possam apresentar, não será
nem verídica nem convincente, enquanto os Senhores continuarem
tomando bebidas alcoólicas, ingerindo drogas ou fumando. Se eu
mesmo não desistir espontaneamente desse consumo, não
poderei responder nem de forma verídica, nem de modo convincente,
porque através do meu próprio consumo eu sou o freio de
mão puxado, do qual falei mais acima. Justamente essa pergunta
dos jovens possibilitaria uma largada perfeita. Por meio do seu consumo
de bebidas alcoólicas, de tabaco, os Senhores mesmos são
uma resposta viva, já que os Senhores mesmos não sabem
dar uma razão. É por isso que tomam bebidas alcoólicas
e fumam. É essa a modesta verdade, nada mais. Mas quem ousa tornar-se
coerente ? Os Senhores já não querem assumir essa primeira
coerência, mas apesar disso querem dedicar-se à prevenção.
Disso não resultará coisa alguma. Esclarecimento para
a cabeça sempre está disponível. Há livros
e revistas sem fim. Esclarecimento que chega até os sentimentos
só pode ser feito por quem desiste espontaneamente do que ele
quer esclarecer aqui.
O trabalho de prevenção
tem a liberdade como seu verdadeiro fundamento. Quem não consegue
renunciar em liberdade ao álcool e ao tabaco é dependente,
isto é, não é livre.
"As
pessoas vêm e perguntam: é melhor não beber
álcool ou é melhor beber álcool? [...] Jamais
digo a uma pessoa que ela deve deixar o álcool [...], porém
digo a ela: o álcool tem tais e tais efeitos. Simplesmente
descrevo como é o seu efeito, de modo que a pessoa possa
resolver por si própria beber ou não." "É
isso que, antes de mais nada, devemos ter na ciência: respeito
pela liberdade humana. De modo que não se tenha a sensação
de querer mandar uma pessoa fazer algo proibi-la de fazer isso,
mas relatamos-lhe os fatos. Se ela sabe como atua o álcool,
alcançaremos o máximo com isso. Chegaremos então
a conseguir que pessoas livres possam dar-se, a elas mesmas, a
sua direção. E é isso que devemos almejar."
Rudolf
Steiner, "Die Wirkung de Alkohols auf den Menschen"
[O efeito do álcool sobre o ser humano], conferência
de 8/01/1923, in Über Gesundheit und Krankheit [A
respeito de saúde e doença], GA (Gesammtausgabe,
edição geral) 348.
|
O trabalho de prevenção
tem a liberdade como sua verdadeira razão. E quem não
conseguir desistir deliberadamente das bebidas alcoólicas e do
tabaco é dependente, quer dizer, não tem liberdade.
O trabalho de prevenção
é educação prática para a liberdade. É
a capacidade de poder descrever passo a passo um caminho à frente
para a liberdade, que nós mesmos já vivenciamos parcialmente.
O meu caminho é diferente do seu. Nesse caso, comparações
não ajudam . Convincentes são apenas as poucas vitórias
alcançadas pelos Senhores no longo caminho de suas inúmeras
derrotas. Se isso puder ser apresentado claramente, com conhecimento,
humor e isenção, será uma medida para os jovens.
Não uma medida
no sentido de: ‘Eu quero ser como ele’. Não, isso seria pura
ilusão. Senão: Aqui está diante de você alguém
com muitas deficiências, com um n’[umero incrível de malogros.
Mas de todas as derrotas ele sempre levantou-se de novo. Agora ele está
ereto diante de você. Se você pede-lhe: ‘Cite uma razão
convincente porque eu não devo usar drogas e devo desistir das
bebidas alcoólicas e do tabaco!’, ele começa a rir. Então
aquele que trabalha com prevenção vai rir e talvez responda:
‘Não caio na sua armadilha! Você mesmo deve encontrar a
sua razão. Mas eu lhe digo a minha razão,
se você quiser ouvi-la.’ Talvez ele responda: ‘Sim, a sua razão
me interessa.’ (5) ‘A minha razão é o amor pela liberdade.
E faço o trabalho de prevenção, porque a sua liberdade
me é tão importante quanto a minha.’"
Após uma
prolongada pausa de contemplação, o único professor
presente diz: "Sim, ficou tarde. Nós, os pais e eu lhe agradecemos
de o Senhor ter vindo até aqui. Agora com certeza temos muitos
estímulos para pensar. Vamos primeiro elaborá-los com
calma e, se necessário, entraremos em contato novamente com o
Senhor." Eu: "Muito obrigado pela sua paciência e por
terem agüentado esses desafios." Alívio na despedida.
– Finalmente ele está lá fora.
"No
álcool, no entanto, a coisa é muito grave, porque
neste caso o esclarecimento não adianta muito, se ele não
levar ao fato de a pessoa parar de consumir mesmo um pouco de
álcool. Pois se ela começar a tomar um, dois copos,
ela chega à situação em que o esclarecimento
começa a perder o efeito, e então ela continua bebendo.
Por isso, justamente com o álcool, é tão
extraordinariamente difícil conseguir fazer muita coisa
com esclarecimentos."
Rudolf
Steiner, conferência de 16/2/1924, in Natur und Mensch
in geisteswissenschaftlicher Betrachtung [Natureza e ser humano
na observação científico-espiritual], GA
352.
|
Educação
para a liberdade – educação para a espiritualidade
A questão
básica à qual todo trabalho de prevenção
quer chegar ainda nem foi tocada aqui: por que as pessoas tomam drogas
e bebidas alcoólicas ou fumam? Alguma coisa falta na sociedade.
Qual é a questão que não está sendo tratada
na sociedade? É a questão social: como nos
relacionamos mutuamente. Essa questão social está sendo
totalmente relegada. É uma questão espiritual e vive entre
nós. Como sua conseqüência logo aparece a questão
social ampliada. É a questão do carma. Esta também
está sendo deixada de lado dentre nós, pois também
é uma questão espiritual. (6) Mas é justamente
o consumo de bebidas alcoólicas e tabaco que produz a exclusão
da questão espiritual: como se adquire conhecimentos dos mundos
superiores?
A juventude procura
o acesso ao mundo espiritual. Nós obstruímos-lhe esse
acesso, na medida em que nós mesmos não o encontrarmos.
Nosso consumo de bebidas alcoólicas é a prova vívida
disso. Também obstruo o acesso da juventude ao mundo espiritual,
enquanto ainda organizo conferências, seminários e encontros
‘sobre’ os mundos espirituais. Levo-os então ao êxtase
esotérico. O ‘sobre’ não serve mais para a juventude.
Ela quer receber descrições de vivências, também
experiências da aplicação de Antroposofia. quer
também descrições exatas dos meus malogros e deficiências,
porque se reconhece neles. A juventude de hoje não procura mais
heróis, mas seres humanos. Isso, entretanto, quer dizer: ‘Mostre
a sua ferida.’ (7) Somente uma ‘prevenção espiritualizada’,
vivenciada, sofrida, até mesmo suportada por nós mesmos
será capaz de novamente alcançar a geração
jovem. Quem agora ainda fala ‘sobre ela’ ou ‘sobre’ o mundo espiritual
e não por meio dela, sem aquele pano de fundo existencial sofrido,
obstrui para a juventude os caminhos para ela, ‘semeia ventos e colherás
tempestades...’.
"Também
a relação do ser humano com o álcool está
sujeita a uma transformação, se ele interpenetrar-se-se
interiormente, de maneira viva e séria, com a Antroposofia.
O álcool [...] menifesta-se não apenas como uma
produção de carga no organismo humano, mas chega
a mostrar-se diretamente como algo que produz um poder de oposição
nesse organismo. [...] Isso quer dizer que no álcool acolhemos
em nós um anti-Eu, um Eu que é combatente direto
contra os atos do nosso Eu espiritual. [...] De modo que desencadeamos
uma guerra interior e no fundo condenamos à impotência
tudo o que parte do Eu, se colocarmos um oponente diante dele
no álcool. Esse é o fato oculto".
Rudolf
Steiner, conferência de 20/03/1913 em Welche Bedeutung
hat die okkulte Entwicklung des Menschen für seine Hüllen
und sein Selbst? [Qual o significado do desenvolvimento oculto
do ser humano para os seus invólucros e para sua personalidade
(self)?], GA 145.
|
Não é
a tendência cômoda a contemporizar, mas o amor pela liberdade
é que nos ajuda a continuar. Precisamente tentar-se fazer média,
a moderação de ‘um, dois copos’ é que causa guerra
neste caso. O trabalho de prevenção espiritualizado, no
entanto, é trabalho pela paz, é a prática da educação
para a liberdade. Mas primeiro para a nossa própria...
-----------------------------
(1) Sempre há
alguns pais que, consistentemente, não consomem bebidas alcoólicas.
Mas estes são sempre, repito, sempre uma nítida minoria.
(2) Vide também
Rainer Schnurre, Karma Gemeinschaft [Comunidade de Carma], Berlin
1999, cap. "Os sete passos da iniciativa".
(3) Aqui isso só
pode ser mencionado; no meu livro Karma Gemeinschaft isso é
devidamente fundamentado.
(4) Todas as iniciativas
nas terapias do vício que, de alguma forma, queriam combater
algo, tiveram que fracassar ao longo do tempo, porque através
de um 'contra' o problema sempre é piorado e torna-se mais profundo.
(5) Aqui encurto
o processo, pois na dura discussão concreta eu não ofereço
a resposta na baixela de prata do intelectualismo; ao contrário,
tudo será trabalhado laboriosamente, passo a passo.
(6) Não cito
aqui títulos de livros, mas coloco a questão espiritual
central.
(7) Nome de uma
montagem do artista Joseph Beuys e um tema de vida do seu trabalho pela
'escultura social'.
A
entrada e a saída pessoais
Eu
quis ultrapassar ‘todos’ os limites existentes, para chegar ao
espiritual. Assim, experimentei também as plantas venenosas
nativas, e cheguei a conhecer os seus efeitos. Mas maconha e haxixe
não me soltaram mais. Justamente hoje, ambos são
muito subestimados, muitas vezes até declarados inofensivos
e denominados ‘drogas suaves’. Não são inofensivos
nem suaves. São insidiosos, parecem inofensivos por causa
de sua lentidão, mas em realidade destroem a autoconsciência
até a estupefação. De fato eu procurava um
caminho para os mundos espirituais; por muito tempo não
notei que me havia tornado dependente. Dito de forma mais exata,
somente muito mais tarde consegui admiti-lo para mim.
Em
maio de 1980 encontrei um mestre cristão de meditação,
um rosacruz (*), que me deu três livros, dois de um tal
de Rudolf Steiner, O Conhecimentos dos Mundos Superiores
e O Cristianismo como Fato Místico e os Mistérios
da Antigüidade [São Paulo: Ed. Antroposófica],
e um de Thomas von Kempen Die Nachfolge Christi [A sucessão
de Cristo]. Já durante a volta, no ônibus, depois
de ter lido as primeiras páginas de Rudolf Steiner, eu
sabia: este é o caminho, era isso que você procurava.
Até ali eu procurava algo e, em realidade, não sabia
o quê.
Com
esses três livros e o acompanhamento espiritual pelo mestre
de meditação, minha lenta virada de vida começou
aos trinta e quatro anos e meio. Após um dos primeiros
encontros com o mestre, deixei o álcool e as drogas. Em
nenhum momento falamos a respeito. Ele via tudo claramente diante
de si. O fumo deixei um pouco mais tarde. Agora tudo isso caiu
de mim como uma armadura que ficou apertada demais.
No
primeiro encontro, o mestre pediu-me para passar o ancinho na
grama alta no jardim, porque nesse dia eu não servia para
fazer nada de sensato. Entrementes eu vivia e trabalhava com ele,
e estava satisfeito de, nesse dia, poder estar no jardim. Após
poucos minutos, porém, perdi a força. Perdi-a tão
totalmente, que não mais podia puxar o ancinho pela grama.
Nem consegui mais segurá-lo. Ele só me serviu de
suporte, para deitar. Era esse o meu fim? O tempo permaneceu parado.
Eu não sabia se chegaria a poder levantar-me novamente.
Uma brisa suave. O sol brilhava através dos majestosos
pinheiros que, ao mesmo tempo, ofereciam sombra. Mais de uma vez
pensei na morte. Será que ela chega de maneira tão
cômoda? Provavelmente não. Isso não era o
fim, mas eu estava no fim. Isso, porém, significa
ao mesmo tempo encontrar-se num começo.
Assim,
eu tornei-me o último discípulo do mestre. Freqüentemente,
ele era procurado por pessoas que buscavam conselho e ajuda. Cheguei
a conhecer silenciosamente muitos destinos de pessoas que estavam
à procura do espiritual. A maioria delas haviam errado
o caminho, tal como eu.
Três
anos após a morte do mestre, eu fundei, junto com um antigo
discípulo dele, também um ‘ex-usuário’ tal
como eu, uma comunidade domiciliar para viciados crônicos,
com os primeiros sete anos de Antroposofia como apoio e, em 1990,
junto com nove pessoas em Berlim, o projeto cultural ‘Arche Nova
– Sozialkunst-Gestaltung’. ‘Sozialkunst-Gestaltung’ [configuração
da arte social] descreve de forma fenomenológica a questão
social do ‘o que acontece entre nós?’. Ela ensina como
são desenvolvidas capacidades de percepção,
descrição e formação no social. Isso
ocorre por meio do meu saber vivido e sofrido, que eu percebo
direta e conscientemente, até dentro do sentimento. E na
transmissão para outros, eu falo e trabalho de tal forma,
que tudo isso possa chegar até o sentimento.
Rainer
Schnurre
(*)
Wolfgang Wegener (1918-1984). Descrevi isso com mais detalhes
em meu livro Karma Gemeinschaft [Comunidade de carma],
Berlim: ed. própria, 1999. Sobre a atuação
desse ocultista e antropósofo, vide Das Goetheanum
Ano 77, Nº 22/23 e 24, 1998.
|
![Próxima [next]](../images/lright.gif)
|