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 PORQUE SUA LIBERDADE 
        ME É TÃO CARA QUANTO A MINHA Relato 
        sobre um trabalho de prevenção
 Rainer Schnurre Das Goetheanum, Ano 
        83, No. 31-32, 1/8/04, pp. 1, 3-6Trad. H. Wilda, publicado no Boletim da Sociedade Antroposófica 
        no Brasil No. 35, 9/04, pp. 21-31;
 revisão desta versão: V.W. Setzer
 A 
        consciência social não deve assustar-se apenas com a crescente 
        onda de drogas que atinge alunos cada vez mais jovens e os impele para 
        o vício; já o consumo de bebidas álcoólicas 
        e tabaco, que também está crescendo, coloca questões 
        gravíssimas a respeito de como é possível chegar 
        àquele vício. Os pais mal se dão conta da dependência 
        existente e incofessada de seus filhos, mas muitas vezes receiam-na. Assim, 
        eles procuram aconselhamento, até querem engajar-se no trabalho 
        de prevenção nas escolas. A seguir, o artista social Rainer 
        Schnurre, que às vezes trabalha em escolas Waldorf com pais, professores 
        e alunos sobre a questão das drogas e os possíveis perigos 
        do vício, relata o andamento típico de um seminário 
        de prevenção.  ---  
        Pais Waldorf procuram-me 
          e descrevem as suas dúvidas e preocupações. Por 
          exemplo, que a filha ou o filho poderiam tomar drogas, que o consumo 
          de tabaco e bebidas alcoólicas poderia ser iniciado cedo demais 
          ou tornar-se excessivo. Antes de tudo, no entanto, o que os preocupa 
          muito, como frisam sempre de novo, é a prevenção, 
          pois eles mesmos gostariam de fazer um trabalho preventivo na sua escola 
          Waldorf. Enquanto dúvidas, preocupações, esperanças 
          e dificuldades são externados, eu experimento o receio latente, 
          não exposto, dos pais, a carga perceptível de suas preocupações 
          justificadas, a sua perplexidade opressiva, que nem sequer são 
          capazes de admitir perante si mesmos. A resposta em 
          forma de pergunta - e o embaraço Em vez de aprofundar-me 
          diretamente em todas as preocupações e perguntas justificadas, 
          eu coloco, como a minha primeira resposta, uma pergunta aos presentes: 
          "Quem dos Senhores toma bebidas alcoólicas?" – A atmosfera 
          muda. Todas as preocupações honestas desaparecem e uma 
          certa hostilidade latente toma conta de toda a cena (1). Geralmente 
          quem começa a responder é alguém que, consistentemente, 
          não ingere bebidas alcoólicas. Muitas vezes segue-se então, 
          como que repentinamente: "O Senhor não pode proibir o meu 
          copo de vinho no jantar!" Eu: "Perguntei apenas quem toma 
          bebidas alcoólicas, mais nada." Silêncio perplexo. 
          Ele me é familiar. Não me inquieto mais com isso. Uma 
          outra pessoa rompe o silêncio ‘insuportável’: "Em 
          verdade nós o convidamos para discutir com o Senhor nossas preocupações 
          e receios, para que os nossos filhos, se possível, não 
          tomem drogas, e não sucumbam ao álcool. Trata-se dos nossos 
          filhos." Eu: "Sim, eu o compreendi. Mas os Senhores não 
          querem nem acolher a minha primeira resposta." Uma outra pessoa: 
          "O Senhor ainda nem sequer abordou as nossas perguntas." Eu: "Não, 
          é que simplesmente respondi diretamente demais. A minha primeira 
          resposta, agora mais detalhada, é: olhemos primeiro para nós, 
          reunidos aqui na sala." Uma outra: "Não somos um grupo 
          de com experiência própria." Uma outra pessoa: "E 
          por que não? Já que convidamos alguém e o consultamos, 
          não podemos esperar dele que nos dê respostas cômodas." 
          Um pai: "Mas, por favor, não é pelo fato de tomar 
          vinho de vez em quando, que eu logo tenho um problema de alcoolismo!" 
          Aprovação por parte de diversas pessoas. Eu: "O que 
          o senhor diria sobre o seguinte: a partir de quando uma pessoa tem um 
          problema de alcoolismo?" Uma mãe: 
          "Quando alguém passar a ser dependente do álcool." 
          Uma outra: "Sim, se alguém for viciado, e depois não 
          puder mais viver sem bebidas alcoólicas." Um pai: "Como 
          podemos saber quando alguém é viciado e quando não 
          é? Os limites são fluidos." Os outros: "Exatamente". 
          Eu: "Essa é uma questão essencial. Vamos criar uma 
          base para conversar sobre isso. É claro que mais tarde tudo isso 
          deve ser trabalhado detalhadamente, mas por enquanto vou dar-lhes um 
          curto panorama dos diversos passos de desenvolvimento que podem levar 
          ao vício (ver figura abaixo). Por favor, não se incomodem 
          com o esquema (2), mas sigam o curso vivo dos pensamentos. O esquema 
          surgiu somente após uns 15 anos e não foi criado logo 
          de início." 
 O 
          caminho para o vício Sem uma experiência 
          viva dessas sete qualidades, um esquema como esse permanece morto, e 
          não tarda em causar mais mal do que bem. Mas uma vez que essas 
          qualidades dos passos forem elaboradas vivamente, esse esquema ‘caminho 
          para o vício’ pode ser ampliado para um ‘caminho para fora do 
          vício’ e, então, consequentemente, também surge 
          um terceiro caminho: o ‘caminho da prevenção’. 
           
            | Caminho 
                para o vício 1º 
                passo: a primeira vez. Antigamente, 
                eu defendia neste ponto a opinião, totalmente errada, de 
                que a primeira vez representa o fundamento para o vício. 
                Eu explicava: se não tivesse havido uma primeira vez, não 
                poderia ter surgido um vício. Pela lógica formal, 
                isso não parece estar errado. Em realidade, porém, 
                é um pensamento extremamente hostil à vida. A primeira 
                vez é incomparável. É a vida plena. O que 
                quer que seja: o verdadeiro problema começa com a segunda 
                vez. 2° 
                passo: A(s) repetição(ões) Com 
                a segunda vez, a primeira repetição, começa 
                (despercebidamente) o perigo. Se a primeira vez foi, por exemplo, 
                uma experiência assustadora, eu quero, tal qual os outros, 
                fazer uma vez uma experiência ‘boa’. Se a primeira vez foi 
                uma experiência ‘boa’, quero fazê-la outra vez. A 
                segunda vez, no entanto, jamais será igual à primeira. 
                Portanto, mais uma vez, mais uma vez, mais uma vez... 3º 
                passo: Acostumar-se – o hábito Sem 
                percebê-lo, as muitas repetições tornam-se 
                um hábito. Aquilo ao qual me acostumei, ocorre com uma 
                certa regularidade. Tão logo algo contradiga o hábito, 
                começa a me faltar algo. 4° 
                passo: A dependência Se 
                o hábito ao qual me afeiçoei não puder ser 
                efetivado imediatamente, falta-me algo. Experimento-o como indispensável 
                à vida. 5º 
                passo: O vício Tampouco 
                quanto reconheço a dependência como tal, tampouco 
                reconheço o vício como tal. Só digo "Sou 
                viciado", quando todos, mas realmente todos os pretextos 
                foram usados. Justamente o viciado sempre repete: "Eu posso 
                parar a qualquer momento". Por isso não consigo mais 
                me desenvencilhar sozinho do vício. O problema é, 
                entretanto, que acredito, sem razão, poder fazê-lo 
                sozinho, sem realmente consegui-lo. 6º 
                passo: Vício crônico Viciado 
                de forma crônica é, quem se diz todo dia, que poderia 
                parar a qualquer hora, mas está ocupado unicamente com 
                a satisfação contínua do seu vício. 
                Isso continua até o ponto em que não é mais 
                possível continuar. Seguem-se colapso após colapso, 
                desintoxicação após desintoxicação. 
                É difícil prever um fim. 7º 
                passo: Ânsia de morte O 
                vício crônico leva à ânsia pela última 
                sensação, a ‘dourada’ [goldenen Schuss], 
                que me carrega por sobre do ‘abismo’, ou ao último ‘gole 
                áureo’, que me conduza para fora do ‘vale de lágrimas’, 
                ou para o ‘derradeiro cigarro’ que me conduza ao ‘Nirnava’. |  O meio-termo 
          que decide tudo: onde começa a dependência? Para poder orientar-me 
          nesse ‘caminho para o vício’, preciso de um critério objetivo. 
          Onde posso encontrá-lo? Resposta: na metade do caminho! Mas o 
          que é uma metade? Além de muitas outras coisas, ela é, 
          como em muitos outros casos, um lugar da impotência como também 
          da liberdade (3). A pergunta decisiva aqui é: o que aparece no 
          centro do ‘caminho para o vício’? É a ‘dependência’. 
          Aqui aparece, inesperadamente, na metade, um critério para mim 
          mesmo. Com isso fica evidente 
          que o ponto do meio também é o ponto crucial ou centro 
          de rotação e fulcro nos processos vivos. Tudo gira, muda 
          ou se transforma ao redor e através daquele ponto central. No 
          aconselhamento e acompanhamento surge aqui uma primeira pergunta central: 
          até que ponto a dependência progrediu? "No estágio 
          da dependência, a pessoa ainda pode voltar por si próprio, 
          se bem que, talvez, com acompanhamento. No vício não há 
          mais volta. Ai, só existe ainda um escapar." Silêncio 
          consternado. Uma mãe: 
          "Mas como posso saber se um jovem talvez já seja dependente, 
          por exemplo, do tabaco ou de bebidas alcoólicas?" Eu: "Bem 
          simples." A mãe: "Ah, agora estou muito curiosa!" 
          Hilaridade geral. Eu: "Agora fica difícil. Chamo-o, em sentido 
          figurado, o ‘teste rápido do tornassol anímico’. Rápido, 
          porque reage em fração de segundos – sem deixar dúvidas 
          –, e logo me fornece informações. Então, vejamos 
          agora o teste do tornassol: Quem quiser saber se é dependente 
          de alguma coisa, no nosso caso de tabaco ou de bebidas alcoólicas, 
          que o deixe por completo, e imediatamente. A resposta, os Senhores darão 
          a si mesmos por meio do ato subsequente. Ou renunciam por livre e expontânea 
          vontade, ou continuam como antes. Neste último caso, os Senhores 
          são dependentes."  Silêncio perplexo. 
          Um pai: "Mas, por favor! Então não posso mais freqüentar 
          reuniões sociais. Hoje consomem-se bebidas alcoólicas 
          em toda a parte – quase em toda a parte..." Eu: "Sim, a situação 
          é como o Senhor diz." Uma mãe: "Mas eu não 
          sou dependente, se uma ou duas vezes ao mês bebo um copo de champanhe 
          ou desfruto de uma bela garrafa de vinho com minhas amigas." Eu: 
          "Se não conseguir viver sem bebidas alcoólicas, a 
          Senhora é dependente delas." Um outro pai: "Agora chega! 
          – Não permito que o Senhor determine, se sou dependente! Eu não 
          bebo, mas saboreio. Talvez o Senhor não entenda, mas gosto de 
          desfrutar um vinho de boa qualidade. Hoje em dia ele até existe 
          em qualidade Demeter, sem as muitas substâncias nocivas. E para 
          mim, uma boa refeição requer um bom vinho! E, às 
          vezes, um bom trago faz parte de uma noite social." Uma mãe: 
          "Justamente!" Uma outra mãe: "Mesmo assim – a 
          questão era: sou dependente? E se não posso renunciar 
          deliberadamente ao álcool, foi dito que sou dependente. Infelizmente, 
          ele tem razão. É verdade..." Uma outra mãe 
          (interrompendo-a): "Você pode falar sem problemas, você 
          não tolera bebidas alcoólicas, e tampouco já chegou 
          a fumar!" A primeira: "Está certo, mas esse não 
          é o tema. Ele tem razão, não importa se eu tomo 
          bebidas alcoólicas ou não. Se não consigo renunciar 
          deliberadamente, sou dependente." Um pai (interrompendo-a): "Não 
          permito que alguém me proíba o meu vinho, nem o Senhor, 
          nem você!" Outros (rindo): "Pois sim, apenas por vinho!" 
          O primeiro: "Agora bastaq para mim!" Eu: "A questão 
          aqui é, portanto: posso imaginar uma vida sem bebidas alcoólicas 
          ou sem tabaco?" Uma pessoa (rindo): "Imaginar, sem dúvida!" 
          Outra: "É claro que posso imaginá-lo; mas não 
          quero que alguém me diga, se posso ou não posso tomar 
          o meu vinho." Eu: "Em verdade não se trata de impor 
          ou ditar normas, mas a questão é: a partir de quando eu 
          sou dependente? Resposta: quando não consigo renunciar deliberadamente, 
          eu sou dependente." Uma 
          mãe: "Para dizer a verdade, nós o convidamos para 
          falar com o Senhor sobre os perigos do consumo de bebidas alcoólicas 
          e drogas e uma possível prevenção para as nossas 
          crianças e adolescentes em crescimento. E, agora, ele só 
          fala conosco sobre nós mesmos." Eu: "Essa é 
          a precondição para que seja possível exercer uma 
          prevenção eficaz." Uma mãe (quase indignada): 
          "Mesmo o professor responsável pela questão das drogas 
          em nossa escola de vez e quando toma bebidas alcoólicas. Isso 
          é seu assunto particular . Contra isso não há nada 
          a objetar." Eu: 
          "Há sim! Isso não é somente o seu assunto 
          particular, se na escola ele é responsável pelas questões 
          relativas às drogas e até pela prevenção." 
          Uma outra pessoa: "Ah, agora acaba vindo a proibição, 
          de sua parte." Eu: "Não, não é proibição, 
          somente coerência e clareza. Trabalho preventivo é um dos 
          mais difíceis. Não posso assumir esse trabalho indiscriminadamente 
          e pretender que poderia vesti-lo como se veste uma roupa bonita. A prevenção 
          já não é mais um trabalho comum de esclarecimento. 
          Para isso preciso de habilidades bem especiais, e inicialmente não 
          as tenho. Esse reconhecimento doloroso é um primeiro pressuposto, 
          pois um verdadeiro trabalho de prevenção não vai 
          apenas até a razão; nesse caso, tudo fica preso na cabeça, 
          e permanece sem efeito mais profundo. Na cabeça, também 
          os adolescentes são compreensíveis, até mesmo razoáveis, 
          mas não na capacidade e no atuar, nem os adolescentes nem nós 
          adultos – sempre excluindo os presentes." (Hilaridade forçada.) Eu: 
          "Quem quiser exercer um trabalho de prevenção sem 
          uma auto-educação intensa, é parecido com aquele 
          que tem pressa para chegar a algum lugar, partindo com o pé na 
          tábua sem soltar o freio de mão, sem o perceber. Porém, 
          um genuíno trabalho de prevenção pressupõe 
          um auto-conhecimento e uma auto-superação conscientes 
          e exercitados energicamente.  
           
            | O exemplo 
                de Gandhi Uma mãe 
                chegou a Ghandi com seu filho e disse: "Por favor, diga ao 
                meu filho que ele não deve mais comer doces. Não 
                faz bem a ele, e a você ele obedece." Ghandi respondeu: 
                "Volte em uma semana." Após sete dias ela volta 
                com seu filho, e Ghandi diz à criança: "Renuncie 
                aos doces, fará bem a você". A mãe exclama 
                espantada: "Mas Gandhi, por que você não lhe 
                disse isso logo?" Ghandi respondeu: "É que primeiro 
                eu mesmo tive que conseguir renunciar aos doces." |  Todo o resto é 
          falso e não é prevenção; na melhor das hipóteses, 
          é má propaganda, disfarçada de esclarecimento. 
          Quem quiser atuar no trabalho de prevenção, deve 
          – por favor, prestem atenção na vívida contradição 
          – poder e querer desistir deliberadamente . Desistência 
          não é sofrimento como muitos acham, mas o estreito portão 
          para a liberdade sem imposição. Desistência silenciosa 
          exercida deliberadamente liberta nos Senhores forças inesperadas. 
          Por isso, ela é também a única chave para sair 
          da dependência e é uma grande ajuda na terapia de vícios. 
          Abstinência deliberada também é o conceito central 
          no trabalho de prevenção, pois somente pelos próprios 
          exercícios espontâneos de abstinência resultam-lhes 
          as forças que sem isso faltam, se os Senhores ficarem presos 
          ao consumo, justamente do que querem poupar a juventude." "Eu 
          quero renunciar" Eu concluo: "A 
          frase central é: ‘Eu quero renunciar!’ (4) Experimentem meditar 
          essa frase. Ela produz milagres, mas somente para os que a levam a sério. 
          Mas então não é um milagre, porém é 
          mais do que isso. No esclarecimento geral posso ficar discutindo. Isso 
          é só para a cabeça. Na prevenção 
          não devo mais querer discutir mas, em vez disso, trabalho rigorosamente 
          em mim próprio, por causa do aumento de energia que necessito 
          sem falta. Os que querem atuar nesse âmbito devem chegar à 
          altura de todas, no caso, da única pergunta das 
          crianças e dos adolescentes. Pois tão logo os Senhores 
          forem ao encontro deles exigirem ‘esclarecimento’ ou até mesmo 
          ‘prevenção’ em questões relativas a drogas, consumo 
          de bebidas alcoólicas ou tabaco, serão confrontados, de 
          forma implacável, com uma questão não pronunciada 
          que terão de responder. Se não for respondida pelos Senhores 
          de forma honesta, as crianças e adolescentes permanecerão 
          hermeticamente fechados frente aos Senhores. A pergunta é mais 
          ou menos a seguinte: ‘Cite uma única razão verdadeiramente 
          convincente, porque eu não deveria consumir drogas ou tomar bebidas 
          alcoólicas? Somente uma!’ Procurem solucionar essa pergunta enigmática. 
          Qualquer razão que possam apresentar, não será 
          nem verídica nem convincente, enquanto os Senhores continuarem 
          tomando bebidas alcoólicas, ingerindo drogas ou fumando. Se eu 
          mesmo não desistir espontaneamente desse consumo, não 
          poderei responder nem de forma verídica, nem de modo convincente, 
          porque através do meu próprio consumo eu sou o freio de 
          mão puxado, do qual falei mais acima. Justamente essa pergunta 
          dos jovens possibilitaria uma largada perfeita. Por meio do seu consumo 
          de bebidas alcoólicas, de tabaco, os Senhores mesmos são 
          uma resposta viva, já que os Senhores mesmos não sabem 
          dar uma razão. É por isso que tomam bebidas alcoólicas 
          e fumam. É essa a modesta verdade, nada mais. Mas quem ousa tornar-se 
          coerente ? Os Senhores já não querem assumir essa primeira 
          coerência, mas apesar disso querem dedicar-se à prevenção. 
          Disso não resultará coisa alguma. Esclarecimento para 
          a cabeça sempre está disponível. Há livros 
          e revistas sem fim. Esclarecimento que chega até os sentimentos 
          só pode ser feito por quem desiste espontaneamente do que ele 
          quer esclarecer aqui. O trabalho de prevenção 
          tem a liberdade como seu verdadeiro fundamento. Quem não consegue 
          renunciar em liberdade ao álcool e ao tabaco é dependente, 
          isto é, não é livre. 
           
            | "As 
                pessoas vêm e perguntam: é melhor não beber 
                álcool ou é melhor beber álcool? [...] Jamais 
                digo a uma pessoa que ela deve deixar o álcool [...], porém 
                digo a ela: o álcool tem tais e tais efeitos. Simplesmente 
                descrevo como é o seu efeito, de modo que a pessoa possa 
                resolver por si própria beber ou não." "É 
                isso que, antes de mais nada, devemos ter na ciência: respeito 
                pela liberdade humana. De modo que não se tenha a sensação 
                de querer mandar uma pessoa fazer algo proibi-la de fazer isso, 
                mas relatamos-lhe os fatos. Se ela sabe como atua o álcool, 
                alcançaremos o máximo com isso. Chegaremos então 
                a conseguir que pessoas livres possam dar-se, a elas mesmas, a 
                sua direção. E é isso que devemos almejar." 
                 Rudolf 
                Steiner, "Die Wirkung de Alkohols auf den Menschen" 
                [O efeito do álcool sobre o ser humano], conferência 
                de 8/01/1923, in Über Gesundheit und Krankheit [A 
                respeito de saúde e doença], GA (Gesammtausgabe, 
                edição geral) 348. |  O trabalho de prevenção 
          tem a liberdade como sua verdadeira razão. E quem não 
          conseguir desistir deliberadamente das bebidas alcoólicas e do 
          tabaco é dependente, quer dizer, não tem liberdade. O trabalho de prevenção 
          é educação prática para a liberdade. É 
          a capacidade de poder descrever passo a passo um caminho à frente 
          para a liberdade, que nós mesmos já vivenciamos parcialmente. 
          O meu caminho é diferente do seu. Nesse caso, comparações 
          não ajudam . Convincentes são apenas as poucas vitórias 
          alcançadas pelos Senhores no longo caminho de suas inúmeras 
          derrotas. Se isso puder ser apresentado claramente, com conhecimento, 
          humor e isenção, será uma medida para os jovens. Não uma medida 
          no sentido de: ‘Eu quero ser como ele’. Não, isso seria pura 
          ilusão. Senão: Aqui está diante de você alguém 
          com muitas deficiências, com um n’[umero incrível de malogros. 
          Mas de todas as derrotas ele sempre levantou-se de novo. Agora ele está 
          ereto diante de você. Se você pede-lhe: ‘Cite uma razão 
          convincente porque eu não devo usar drogas e devo desistir das 
          bebidas alcoólicas e do tabaco!’, ele começa a rir. Então 
          aquele que trabalha com prevenção vai rir e talvez responda: 
          ‘Não caio na sua armadilha! Você mesmo deve encontrar a 
          sua razão. Mas eu lhe digo a minha razão, 
          se você quiser ouvi-la.’ Talvez ele responda: ‘Sim, a sua razão 
          me interessa.’ (5) ‘A minha razão é o amor pela liberdade. 
          E faço o trabalho de prevenção, porque a sua liberdade 
          me é tão importante quanto a minha.’" Após uma 
          prolongada pausa de contemplação, o único professor 
          presente diz: "Sim, ficou tarde. Nós, os pais e eu lhe agradecemos 
          de o Senhor ter vindo até aqui. Agora com certeza temos muitos 
          estímulos para pensar. Vamos primeiro elaborá-los com 
          calma e, se necessário, entraremos em contato novamente com o 
          Senhor." Eu: "Muito obrigado pela sua paciência e por 
          terem agüentado esses desafios." Alívio na despedida. 
          – Finalmente ele está lá fora. 
           
            | "No 
                álcool, no entanto, a coisa é muito grave, porque 
                neste caso o esclarecimento não adianta muito, se ele não 
                levar ao fato de a pessoa parar de consumir mesmo um pouco de 
                álcool. Pois se ela começar a tomar um, dois copos, 
                ela chega à situação em que o esclarecimento 
                começa a perder o efeito, e então ela continua bebendo. 
                Por isso, justamente com o álcool, é tão 
                extraordinariamente difícil conseguir fazer muita coisa 
                com esclarecimentos."  Rudolf 
                Steiner, conferência de 16/2/1924, in Natur und Mensch 
                in geisteswissenschaftlicher Betrachtung [Natureza e ser humano 
                na observação científico-espiritual], GA 
                352. |  Educação 
          para a liberdade – educação para a espiritualidade A questão 
          básica à qual todo trabalho de prevenção 
          quer chegar ainda nem foi tocada aqui: por que as pessoas tomam drogas 
          e bebidas alcoólicas ou fumam? Alguma coisa falta na sociedade. 
          Qual é a questão que não está sendo tratada 
          na sociedade? É a questão social: como nos 
          relacionamos mutuamente. Essa questão social está sendo 
          totalmente relegada. É uma questão espiritual e vive entre 
          nós. Como sua conseqüência logo aparece a questão 
          social ampliada. É a questão do carma. Esta também 
          está sendo deixada de lado dentre nós, pois também 
          é uma questão espiritual. (6) Mas é justamente 
          o consumo de bebidas alcoólicas e tabaco que produz a exclusão 
          da questão espiritual: como se adquire conhecimentos dos mundos 
          superiores? A juventude procura 
          o acesso ao mundo espiritual. Nós obstruímos-lhe esse 
          acesso, na medida em que nós mesmos não o encontrarmos. 
          Nosso consumo de bebidas alcoólicas é a prova vívida 
          disso. Também obstruo o acesso da juventude ao mundo espiritual, 
          enquanto ainda organizo conferências, seminários e encontros 
          ‘sobre’ os mundos espirituais. Levo-os então ao êxtase 
          esotérico. O ‘sobre’ não serve mais para a juventude. 
          Ela quer receber descrições de vivências, também 
          experiências da aplicação de Antroposofia. quer 
          também descrições exatas dos meus malogros e deficiências, 
          porque se reconhece neles. A juventude de hoje não procura mais 
          heróis, mas seres humanos. Isso, entretanto, quer dizer: ‘Mostre 
          a sua ferida.’ (7) Somente uma ‘prevenção espiritualizada’, 
          vivenciada, sofrida, até mesmo suportada por nós mesmos 
          será capaz de novamente alcançar a geração 
          jovem. Quem agora ainda fala ‘sobre ela’ ou ‘sobre’ o mundo espiritual 
          e não por meio dela, sem aquele pano de fundo existencial sofrido, 
          obstrui para a juventude os caminhos para ela, ‘semeia ventos e colherás 
          tempestades...’. 
           
            | "Também 
                a relação do ser humano com o álcool está 
                sujeita a uma transformação, se ele interpenetrar-se-se 
                interiormente, de maneira viva e séria, com a Antroposofia. 
                O álcool [...] menifesta-se não apenas como uma 
                produção de carga no organismo humano, mas chega 
                a mostrar-se diretamente como algo que produz um poder de oposição 
                nesse organismo. [...] Isso quer dizer que no álcool acolhemos 
                em nós um anti-Eu, um Eu que é combatente direto 
                contra os atos do nosso Eu espiritual. [...] De modo que desencadeamos 
                uma guerra interior e no fundo condenamos à impotência 
                tudo o que parte do Eu, se colocarmos um oponente diante dele 
                no álcool. Esse é o fato oculto".  Rudolf 
                Steiner, conferência de 20/03/1913 em Welche Bedeutung 
                hat die okkulte Entwicklung des Menschen für seine Hüllen 
                und sein Selbst? [Qual o significado do desenvolvimento oculto 
                do ser humano para os seus invólucros e para sua personalidade 
                (self)?], GA 145. |  Não é 
          a tendência cômoda a contemporizar, mas o amor pela liberdade 
          é que nos ajuda a continuar. Precisamente tentar-se fazer média, 
          a moderação de ‘um, dois copos’ é que causa guerra 
          neste caso. O trabalho de prevenção espiritualizado, no 
          entanto, é trabalho pela paz, é a prática da educação 
          para a liberdade. Mas primeiro para a nossa própria... ----------------------------- (1) Sempre há 
          alguns pais que, consistentemente, não consomem bebidas alcoólicas. 
          Mas estes são sempre, repito, sempre uma nítida minoria. (2) Vide também 
          Rainer Schnurre, Karma Gemeinschaft [Comunidade de Carma], Berlin 
          1999, cap. "Os sete passos da iniciativa". (3) Aqui isso só 
          pode ser mencionado; no meu livro Karma Gemeinschaft isso é 
          devidamente fundamentado.  (4) Todas as iniciativas 
          nas terapias do vício que, de alguma forma, queriam combater 
          algo, tiveram que fracassar ao longo do tempo, porque através 
          de um 'contra' o problema sempre é piorado e torna-se mais profundo. (5) Aqui encurto 
          o processo, pois na dura discussão concreta eu não ofereço 
          a resposta na baixela de prata do intelectualismo; ao contrário, 
          tudo será trabalhado laboriosamente, passo a passo. (6) Não cito 
          aqui títulos de livros, mas coloco a questão espiritual 
          central. (7) Nome de uma 
          montagem do artista Joseph Beuys e um tema de vida do seu trabalho pela 
          'escultura social'. 
           
            | A 
                entrada e a saída pessoais Eu 
                quis ultrapassar ‘todos’ os limites existentes, para chegar ao 
                espiritual. Assim, experimentei também as plantas venenosas 
                nativas, e cheguei a conhecer os seus efeitos. Mas maconha e haxixe 
                não me soltaram mais. Justamente hoje, ambos são 
                muito subestimados, muitas vezes até declarados inofensivos 
                e denominados ‘drogas suaves’. Não são inofensivos 
                nem suaves. São insidiosos, parecem inofensivos por causa 
                de sua lentidão, mas em realidade destroem a autoconsciência 
                até a estupefação. De fato eu procurava um 
                caminho para os mundos espirituais; por muito tempo não 
                notei que me havia tornado dependente. Dito de forma mais exata, 
                somente muito mais tarde consegui admiti-lo para mim. Em 
                maio de 1980 encontrei um mestre cristão de meditação, 
                um rosacruz (*), que me deu três livros, dois de um tal 
                de Rudolf Steiner, O Conhecimentos dos Mundos Superiores 
                e O Cristianismo como Fato Místico e os Mistérios 
                da Antigüidade [São Paulo: Ed. Antroposófica], 
                e um de Thomas von Kempen Die Nachfolge Christi [A sucessão 
                de Cristo]. Já durante a volta, no ônibus, depois 
                de ter lido as primeiras páginas de Rudolf Steiner, eu 
                sabia: este é o caminho, era isso que você procurava. 
                Até ali eu procurava algo e, em realidade, não sabia 
                o quê. Com 
                esses três livros e o acompanhamento espiritual pelo mestre 
                de meditação, minha lenta virada de vida começou 
                aos trinta e quatro anos e meio. Após um dos primeiros 
                encontros com o mestre, deixei o álcool e as drogas. Em 
                nenhum momento falamos a respeito. Ele via tudo claramente diante 
                de si. O fumo deixei um pouco mais tarde. Agora tudo isso caiu 
                de mim como uma armadura que ficou apertada demais. No 
                primeiro encontro, o mestre pediu-me para passar o ancinho na 
                grama alta no jardim, porque nesse dia eu não servia para 
                fazer nada de sensato. Entrementes eu vivia e trabalhava com ele, 
                e estava satisfeito de, nesse dia, poder estar no jardim. Após 
                poucos minutos, porém, perdi a força. Perdi-a tão 
                totalmente, que não mais podia puxar o ancinho pela grama. 
                Nem consegui mais segurá-lo. Ele só me serviu de 
                suporte, para deitar. Era esse o meu fim? O tempo permaneceu parado. 
                Eu não sabia se chegaria a poder levantar-me novamente. 
                Uma brisa suave. O sol brilhava através dos majestosos 
                pinheiros que, ao mesmo tempo, ofereciam sombra. Mais de uma vez 
                pensei na morte. Será que ela chega de maneira tão 
                cômoda? Provavelmente não. Isso não era o 
                fim, mas eu estava no fim. Isso, porém, significa 
                ao mesmo tempo encontrar-se num começo. Assim, 
                eu tornei-me o último discípulo do mestre. Freqüentemente, 
                ele era procurado por pessoas que buscavam conselho e ajuda. Cheguei 
                a conhecer silenciosamente muitos destinos de pessoas que estavam 
                à procura do espiritual. A maioria delas haviam errado 
                o caminho, tal como eu. Três 
                anos após a morte do mestre, eu fundei, junto com um antigo 
                discípulo dele, também um ‘ex-usuário’ tal 
                como eu, uma comunidade domiciliar para viciados crônicos, 
                com os primeiros sete anos de Antroposofia como apoio e, em 1990, 
                junto com nove pessoas em Berlim, o projeto cultural ‘Arche Nova 
                – Sozialkunst-Gestaltung’. ‘Sozialkunst-Gestaltung’ [configuração 
                da arte social] descreve de forma fenomenológica a questão 
                social do ‘o que acontece entre nós?’. Ela ensina como 
                são desenvolvidas capacidades de percepção, 
                descrição e formação no social. Isso 
                ocorre por meio do meu saber vivido e sofrido, que eu percebo 
                direta e conscientemente, até dentro do sentimento. E na 
                transmissão para outros, eu falo e trabalho de tal forma, 
                que tudo isso possa chegar até o sentimento. Rainer 
                Schnurre (*) 
                Wolfgang Wegener (1918-1984). Descrevi isso com mais detalhes 
                em meu livro Karma Gemeinschaft [Comunidade de carma], 
                Berlim: ed. própria, 1999. Sobre a atuação 
                desse ocultista e antropósofo, vide Das Goetheanum 
                Ano 77, Nº 22/23 e 24, 1998. |  ![Anterior [previous]](../images/lleft.gif)    ![Próxima [next]](../images/lright.gif)
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