Liberdade
Viver no amor à ação e deixar viver na compreensão do querer alheio, é a máxima fundamental de seres humanos livres. Eles não conhecem nenhum outro dever (*) senão aquele com o qual seu querer vincula-se em harmonia intuitiva; como eles quererão em casos específicos, ser-lhes-á dito pela sua faculdade de ter ideias. |
Leben in der Liebe zum Handeln undLebenlassen im Verständnisse des fremdem Wollens ist die Grundmaxime der freien Menschen. Sie kennen kein kein anderes Sollenals dasjenige, mit dem sich ihr Wollen in intuitiven Einklang versetzt; wie sie in einem besonderen Falle wollen werden, das wird inhnen ihr Ideenvermögen sagen. |
Fonte: GA 4, p. 124, cap. IX, Die idee der Freiheit (“A ideia da liberdade”). Ênfases do autor. Trad. VWS; rev. SALS. (*) No sentido do verbo, e não do substantivo. Na ed. traduzida, p. 116. |
Nesse fato, de o ser humano em seu momentâneo representar mentalmente vive não no ser, mas somente em um espelhamento do ser, em um ser imagético, repousa a possibilidade do desenvolvimento da liberdade. Todo estar na consciência é algo coercivo. Somente a imagem pode não coagir. Se algo deve ocorrer por meio de sua impressão, então deve ocorrer completamente independente dela. |
In dieser Tatsache, dass der Mensch in seinem augenblicklichen Vorstellen nicht im Sein, sondern nur in einer Spiegelung des Seins, in einem Bild-Sein lebt, liegt die Möglichkeit der Entfaltung der Freiheit. Alles Sein im Bewusstsein ist ein Zwingendes. Allein das Bildkann nicht zwingen. Soll durch seinen Eindruck etwas geschehen, so muss es ganz unabhängigvon ihm geschehen. |
Fonte: GA 26, p. 216, cap. “Die Freiheit des Menschen und das Michael-Zeitalter” (A liberdade humana e a era de Micael). Ênfases do autor. [O autor refere-se a imagens criadas mentalmente, e não representações mentais de objetos do mundo real.] Trad. VWS; rev. SALS. |
Nossa vida é composta a partir de atos da liberdade e da falta de liberdade. No entanto, não podemos pensar sobre o conceito completo do ser humano, sem chegar aoespírito livre como a mais pura manifestação da natureza humana. Somente somos verdadeiros seres humanos na medida em que somos livres. |
Aus Handlungen der Freiheit und der Unfreiheit sezt sich unser Leben zusammen. Wir können aber den Begriff des Menschen nicht zu Ende denken, ohne auf den freien Geist als die reinste Ausprägung der menschlichen Natur zu kommen. Warhaft Menschen sind wir doch nur, insofern wir frei sind. |
Fonte: GA 4, p. 125, cap. IX Die Idee der Freiheit (A ideia da liberdade). Trad. VWS; rev. SALS. Ênfase do autor. Na edição traduzida, p. 117. |
Quando, em esferas claras do espírito
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Wenn in hellen Geisteskreisen
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Fonte: GA 40, p. 112. Na p. 299 está anotado "Dedicatória no livro A Filosofia da Liberdade [GA 4], Natal de 1918". [*] Steiner emprega aqui uma palavra inexistente em alemão: Wesen é um substantivo, significando "ser", "entidade", "essência"; ele a usa como se fosse um verbo, daí a tradução escolhida “passa ... a existir”. Trad. VWS; rev. SALS. |
- Justamente em minha Filosofia da Liberdade [GA 4] os senhores encontrarão uma ideia de liberdade cuja compreensão correta é de extrema importância. Trata-se de que inicialmente se deve desenvolver a liberdade no pensamento. A fonte da liberdade brota do pensamento. O ser humano simplesmente tem uma consciência espontânea de que no pensamento ele é um ser livre. Os senhores poderiam retrucar que hoje em dia há muitas pessoas que duvidam da liberdade. Isso é apenas uma prova que evidencia como o fanatismo teórico das pessoas atualmente predomina em relação ao que o ser humano em realidade vivencia espontaneamente. O ser humano já não acredita mais em suas vivências, pois está saturado de concepções teóricas. Pela observação da natureza o ser humano chega à concepção de que tudo é necessariamente determinado, qualquer efeito tem uma causa, tudo que existe tem sua causa. [...] pensa-se que aquilo que brota de um pensamento tem a mesma origem que algo produzido por uma máquina. Essa teoria da causalidade geral, como ela é denominada, segundo a qual há uma causa geral por detrás de tudo, faz com que o ser humano muitas vezes torne-se cego para o fato de carregar nitidamente dentro de si a consciência da liberdade. A liberdade é uma realidade que se vivencia assim que de fato se consegue chegar a uma autoreflexão.
Fonte: GA 235, palestra de 23/2/1924, p. 29. [O parágrafo seguinte a este é o texto que inicia com “Existem pessoas, porém, cuja concepção”.] - A ideia de que o ser humano é destinado a constituir um individualidade livre e autossuficiente é aparentemente contestada pelo fato de ele viver como parte de instâncias genéricas naturais como raça, tribo, povo, família, sexo etc. Além disso, ele vive inserido em Estado, igreja etc. Assim ele é portador de características gerais da sociedade e seu agir é determinado pelo lugar que ocupa dentro de uma maioria.
[...] O ser humano se liberta, porém, desses fatores genéricos. Eles não limitam, quando corretamente encarados, a sua liberdade, e tampouco é necessário querer ver neles obstáculos artificiais. O ser humano é capaz de desenvolver, em si, propriedades e funções cuja origem estão nele mesmo. Os seus atributos genéricos lhe servem, então, como meio para exprimir sua entidade individual. Ele se utiliza das propriedades recebidas pela natureza e lhes proporciona uma forma de acordo com a sua própria essência. Para tal pessoa, procuramos em vão a razão de seu modo de ser nas leis da espécie, porque estamos lidando com um indivíduo explicável apenas por si mesmo. Quando um ser humano evolui até o ponto de libertar-se do genérico, não podemos mais explicar suas peculiaridades a partir de características genéricas.
Fonte: GA 4, cap. XIV “Individualidade e espécie”, p. 162.. - Como seres humanos nós andamos; mas existe o chão sobre o qual andamos. Ninguém se sente restringido no andar pelo fato de ter o chão sob seus pés. Pelo contrário, o ser humano deveria saber que, se não fosse o chão, ele não conseguiria andar, estaria caindo por toda parte. Assim também é com a nossa liberdade. Ela necessita do chão do determinismo. Ela precisa elevar-se a partir de uma base. Essa base somos nós mesmos.
Fonte: GA 235, palestra de 23/2/1924, p. 34. - Quando Kant diz do dever: “Dever! Nome excelso e grande, que não aceita nada que é apenas subjetivo e agradável, porque exiges submissão (...) e que estabeleces uma lei diante da qual todas as inclinações e desejos se calam, embora continuem se rebelando”, o ser humano ciente daliberdade responde: “Liberdade! Nome querido e humano, que abarcas tudo o que é bom para a humanidade e que me conferes plena dignidade. Tu não admites que eu seja escravo de ninguém, tu não estabeleces simplesmente uma norma, tu esperas o que meu amor à ação descobrirá como eticamente correto, protegendo assim minha autonomia.”
Eis a diferença entre a moral normativa e a ética da liberdade.
Fonte: GA 4, cap. IX “A ideia da liberdade”, p. 119; ênfases e reticências do autor. - [...] é algo totalmente distinto quando atuamos a partir do amor ou a partir de um senso de dever rígido, seco. Afinal, os senhores sabem que em minhas obras eu sempre considerei as atitudes oriundas do amor como sendo as verdadeiramente éticas, as verdadeiramente morais.
Muitas vezes tive que apontar o grande contraste existente entre Kant e Schiller nesse sentido. Em realidade, no âmbito da vida da cognição Kant “canteou” [1] tudo. Devido a Kant, toda a cognição tornou-se facetada e cheia de cantos, e como consequência o agir humano também. “Dever! Nome excelso e grande, que não aceita nada que é apenas subjetivo e agradável, por que exiges submissão ...” e assim por diante. Citei esse trecho em minha A Filosofia da Liberdade para o dissabor hipócrita, e não devido a um desgosto verdadeiro de muitos opositores -- e coloquei lado a lado o que devo reconhecer como minha concepção: “Amor, impulso que falas tão calorosamente à alma ...” e assim por diante [2].
Em contraste com os conceitos de dever tão rígidos e secos de Kant, Schiller cunhou as seguintes palavras [3]: “Com prazer sirvo os amigos; infelizmente faço-o com certo pendor, e por isso aborreço-me muitas vezes por não ser virtuoso.” Pois, de acordo com a ética de Kant, o que se faz por pendor carece de virtude; somente o que se faz de acordo com o rígido conceito de dever é virtuoso.
Há pessoas que atualmente ainda não conseguem amar. Por não conseguirem dizer a verdade à outra pessoa -- quando se ama alguém diz-se a verdade e não a mentira --, elas a dizem pelo sentimento de dever. Por não conseguirem amar, quando alguém faz algo que não gostem, é devido ao sentimento do dever que elas logo evitam aplicar uma surra ou algumas bofetadas, empurrões e outras coisas semelhantes. Há uma diferença entre a atitude tomada seguindo o conceito rígido de dever, o qual certamente é necessário em muitas situações da vida social, e os atos feitos por amor.
Fonte: GA 235, palestra de 24/2/1924, pp. 39-40. Revisão da redação, sem cotejo com o original: VWS. Ns. do T.: [1] O autor fez um trocadilho com o nome de Kant, pois em alemão ‘Kante’ significa aresta, canto; [2] GA 4, cap. “A ideia de liberdade”; [3] em Xenien, Gewissenskrupel (Xenien, escrúpulos de consciência).
Textos sobre liberdade em outros temas: “A história é, na verdade ...”; “A humanidade não terá mais o que dizer”, “Se é permitido expressar-se ...”