Escolas Waldorf contestam resolução que exige aluno de 6 anos na 1ª série

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Textos de artigos publicados na edição impressa de 27/11/11
do jornal "O Estado de São Paulo"

Escolas Waldorf contestam resolução
que exige aluno de 6 anos na 1ª série

Para colégios que adotam essa linha pedagógica, crianças devem iniciar ensino fundamental aos 7 anos; decisão contraria resolução do Conselho Nacional de Educação que estabelece 6 anos completos até o dia 31 de março e é questionada na Justiça

Mariana Mandelli
Ver original da edição eletrônica (p. A29 da edição impressa)

Espaços abertos com muito verde, lancheiras customizadas e salas de aula com paredes cheias de pinturas. Não há sinal de cartazes com letras e números, indícios de que os alunos estão em processo de alfabetização. Enquanto alguns colégios e muitas famílias brigam na Justiça para apressar o ingresso das crianças no ensino fundamental, as escolas que seguem a pedagogia Waldorf vão na contramão: defendem que elas só entrem nesta etapa aos 7 anos de idade.O caso das escolas Waldorf chegou ao Conselho Nacional de Educação (CNE), que deve emitir um parecer específico para esses colégios, analisando a possibilidade de a criança ingressar mais “velha” nessa etapa de ensino, nas próximas reuniões. O órgão, ligado ao Ministério da Educação (MEC), é autor da resolução que estabeleceu 4 e 6 anos completos até o dia 31 de março para ingresso na pré-escola e no ensino fundamental, respectivamente.

Na prática, Estados e municípios adotam suas próprias datas. Em meio à discussão, nesta semana, uma ação civil pública, do Ministério Público Federal no Distrito Federal, propôs o fim da resolução do CNE, com o argumento de que as redes devem ter autonomia. A 2.ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco concedeu a liminar. O MEC afirma que vai recorrer da decisão.

O caso das escolas Waldorf, cuja pedagogia se baseia na ideia de que o desenvolvimento humano ocorre em períodos de sete anos, divide especialistas. “Os pais têm o direito de optar por uma escola diferenciada para os filhos”, afirma Francisco Cordão, presidente da Câmara de Educação Básica do CNE e relator do parecer. “Proponho que a proposta da Waldorf seja aceita. Não é flexibilizar a regra. Flexibilizar seria se permitíssemos a matrícula com 5 anos.”

Cesar Callegari, também do CNE, entende que não é necessário alterar a norma. “Se abríssemos uma exceção, fragilizaríamos uma orientação nacional, embora as redes já tenham certa autonomia”, afirma. “As escolas Waldorf podem organizar o currículo levando em conta seus preceitos. Não existe um cardápio pronto para crianças de 6 anos.”

A Federação das Escolas Waldorf no Brasil também protocolou uma consulta ao Conselho Estadual de Educação (CEE). Segundo Celso Lima Junior, advogado da federação, um dos objetivos é evitar que supervisores de ensino obriguem as crianças a passarem de ano. “Entramos com dois processos por conta disso em São Paulo e há casos em outros Estados.”

O presidente do CEE, Hubert Alquéres, afirma que as escolas podem escolher suas datas, desde que respeitem o dia 31 de junho, estabelecido pelo Estado. “Como as escolas Waldorf pedem que a criança complete a idade no ano anterior, está dentro do limite”, explica. Ele vai pedir ao órgão para formalizar uma resposta. “Mas já tínhamos dado essa orientação a municípios com dúvidas, por meio de documentos e de teleconferência.

'Adiantar processo pode prejudicar criança'

Antes de completar 7 anos, aluno não está neurologicamente apto para um aprendizado profundo, defende especialista da pedagogia Waldorf

Mariana Mandelli
Ver original da edição eletrônica (p. A30 da edição impressa)

Presente há meio século no Brasil, a pedagogia Waldorf conquistou muitos adeptos. Introduzida por Rudolf Steiner em 1919, na Alemanha, a filosofia dessas escolas se baseia na ideia de que a educação deve ser pautada pelo desenvolvimento da criança, de acordo com suas necessidades em cada etapa.

Para essas escolas, a criança deve ser considerada em seus aspectos físicos, espirituais e psicoemocionais. Nos primeiros sete anos - primeiro setênio - é quando ela recebe impressões sensoriais, não elabora julgamentos e está aberta ao mundo, entre outros elementos.

"Por isso, para nós, uma criança que não completou 7 anos não está neurologicamente apta para um aprendizado profundo", afirma Antonio Ponce, coordenador do grupo executivo da Federação das Escolas Waldorf e professor da Escola Waldorf Rudolf Steiner. "Adiantar esse processo pode acarretar um prejuízo em toda a sua escolaridade."

Para ele, a criança pode ingressar com 6 anos no ensino fundamental, mas deve completar 7 no decorrer do primeiro semestre. As professoras do Colégio Waldorf Micael de São Paulo concordam e explicam que cada criança atinge sua maturidade num tempo específico. "Não é só a maturidade intelectual, mas a emocional também. Ela aprende a lidar melhor com problemas, frustrações e autoestima", diz a professora Cláudia Gama.

"Existem crianças aqui que aprendem a ler antes por conta delas. É difícil estabelecer uma regra, porque estamos falando de seres humanos e cada um tem seu processo individual de desenvolvimento", afirma a professora Adriana de Oliveira e Souza.

Opção. Para pedagogas ouvidas pelo Estado, a escolha de matricular o filho em uma escola Waldorf é da família e, portanto, essa opção de que a criança fique por mais um ano na educação infantil deve ser respeitada pelos órgãos reguladores. "Os pais devem ter a opção de aceitar ou não aquela filosofia - são escolas privadas. A grande pergunta é: o que a família espera da escola?", diz Quézia Bombonatto, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp).

"É muito mais preocupante discutir o caso dessas escolas que prometem alfabetizar o aluno aos 3 anos de idade que essa questão do ingresso aos 7 anos referente à pedagogia Waldorf", afirma Ângela Soligo, professora da Faculdade de Educação Unicamp.


Colaboração de P. Tisovec.

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